Fume!

Naquele dia ele simplesmente se superou. Ao tentar acender mais um cigarro enquanto dirigia, perdeu o controle da direção, atropelou dois pedestres e ainda acertou o carro contra uma banca de jornal. Agora está aqui no centro cirúrgico, tentando ser remendado pelo pessoal da neurologia e da ortopedia. Por se tratar de um tabagista pesado e de longa data, o bloqueio por anestesia geral não foi tarefa fácil. Uma dose cavalar de sedativo foi necessária, bem como um aporte maior de oxigênio pelo ventilador mecânico. Mesmo assim, a variação dos dados vitais insistia em assustar toda a equipe médica.

Sim, tabagistas inveterados são uma verdadeira encrenca em um hospital. A presença de quase 5 mil substâncias nocivas em cada cigarro – como nicotina, monóxido de carbono e alcatrão – atrapalha a cicatrização, predispõe todo tipo de infecção e altera os mecanismos de ação de muitos medicamentos. Isso aumenta o tempo de internamento, colaborando ainda mais para a crônica falta de leitos.

Aliás, falar de tabagismo é quase sinônimo de falar em doença. Atualmente 50 tipos de moléstias podem ser diretamente relacionados ao consumo do cigarro. Enfisema pulmonar, infarto, aneurisma, câncer, trombose, impotência, infertilidade, aborto… todo fumante deveria receber algum tipo de certificado de inteligência, não é mesmo? A cada hora 23 brasileiros morrem em decorrência do tabagismo. Infelizmente, costuma ser um final arrastado, com o paciente restrito ao leito, sem qualidade de vida e quadro clínico repleto de comorbidades.

Com o tempo você perde a pretensão de convencer qualquer paciente fumante dos malefícios do tabaco. A maioria já vem com uma desculpa pronta e programada, que invariavelmente se esconde na dependência química que o cigarro traz de brinde. É uma pena que ainda seja assim. Tanta gente boa aprisionada. Mas, como é uma batalha e uma guerra já vencidas, vamos lá: fume!