Eles estão aqui

De supetão, suas sacolas escorregaram por entre os dedos, espalhando suas cervejas pelo chão. Uma súbita dor havia disparado em seu peito, fazendo com que desabasse inconsciente em frente ao Mercado Municipal.

Entre alvoroços e burburinhos, um desconhecido rompeu a resistência dos curiosos, aproximando-se do homem caído. Concluiu tratar-se de uma parada cardíaca, iniciando de imediato as compressões torácicas seguidas de ventilação boca a boca.

Ele não conseguiu reverter a parada, mas lhe forneceu oxigênio e dinâmica cardíaca suficientes até a chegada da ambulância, com um desfibrilador portátil.

Ao desabotoar a camisa para a aplicação do choque elétrico, todos foram surpreendidos com uma visão indigesta.

No peitoral esquerdo do homem, a tatuagem de uma suástica gigante.

Ela não estava lá sozinha.

Espalhadas pelo tórax, diversas mensagens de intolerância, cada qual especialmente dedicada a judeus, gays, negros e nordestinos. Em cada centímetro de tinta, uma impressão carregada de ódio.

Nazistas, fascistas, nacionalistas, punks, skinheads… eles estão aqui faz tempo, infestando a cidade com grupos fechados, orgulhosos por defender interesses como nação, família e superioridade racial. Quando em bando são corajosos, exercendo sua justiça feroz sobre pessoas frágeis. Curiosamente, fica difícil imaginá-los defendendo seus nobres valores contra traficantes, políticos, sequestradores ou ladrões de banco.

Apesar do impacto visual, o atendimento àquele homem foi realizado com presteza e respeito. Nas emergências das ruas existe muito pouco espaço, e tempo, para coisas minúsculas como o preconceito.

Levado às pressas para o pronto-socorro, ele sairia de lá com uma vida plena e saudável pela frente. Afinal, é o que todos merecemos, não é?

Naquele dia, quando inconsciente na calçada, alguém salvou sua vida.

E é uma lástima ele não ter visto que se tratava de um rapaz negro.