Ele pulou

O paciente teve uma parada cardíaca tão logo a ambulância dos bombeiros chegou ao pronto-socorro. Trata-se de um grave atropelamento por caminhão pesado, na região do Xaxim. Na maca, um senhor de 82 anos.

Os ferimentos foram tantos e tão extensos que sequer me atrevo a descrever aqui. Enquanto as equipes de cirurgia e ortopedia traçam estratégias para a contenção de danos vitais e o manejo de tantos focos de hemorragia, o pessoal aqui da emergência se reveza na massagem de reanimação.

Após 40 minutos, uma linha contínua do monitor cardíaco insiste em nos lembrar de que não há mais nada a fazer.

À bem da verdade, foi melhor assim. Confesso que após um acidente tão brutal, não consigo imaginar qualquer qualidade de vida para este senhor.

Dias depois, a família procurou o hospital para apanhar alguns documentos. Ao falar sobre o atropelamento, um dos filhos do paciente fez uma revelação assustadora.

Seu pai havia pulado na frente do caminhão.

Engenheiro aposentado, fazia alguns meses que o idoso apresentava-se deprimido e isolado. Naquela manhã, após uma discussão em casa, saiu dizendo que se jogaria debaixo do primeiro caminhão que aparecesse.

Ele estava falando sério.

Dentro de uma sala de emergência, celebramos a vitória da vida todos os dias. Particularmente não conheço satisfação maior do que ver nossos pacientes recebendo alta, com a perspectiva de uma vida longa e plena.

Por isso mesmo que essas histórias me arrebentam por dentro.

Não sei dos motivos, não compreendo as razões. Apenas não consigo aceitar que a cada hora, em nosso país, uma pessoa busque tal fim para a própria vida.

Há muitos deprimidos a nossa volta, dando sinais discretos de sofrimento.

São pessoas que merecem ser ouvidas, que precisam ser acolhidas.

E se você não está bem, talvez seja o momento de falar ou de buscar um colo.

A vida não é simples, pelo menos não acho que ela seja.

Mas eu lhe peço, não pule fora dela.

Olha só

Pessoas que precisam de ajuda emocional podem telefonar para o número 141 – Centro de Valorização da Vida. Não se isole, converse com os voluntários do CVV.