Anais da medicina

Como diria a minha avó, o mundo está perdido.
Na verdade ele sempre esteve, só que além de perdido agora também está longe de ser encontrado.

Dentre as coisas mais perturbadoras da emergência, a pior talvez esteja na habilidade que alguns caras tem de inserir objetos lá.

Sim. Lá naquele lugar que você está imaginando.

Controle remoto, garrafa, pé de sofá, vidro de perfume, fruta, legume… definitivamente temos muitos homens com hábitos estranhos circulando por aí.

Hoje um sujeito procurou o pronto-socorro sentindo intensa dor em baixo ventre, com dificuldade de caminhar.

Encaminhado para o exame de imagem, rapidamente o técnico da radiologia sentenciou o diagnóstico:

– Doutor, dessa vez foi uma pá de batedeira.

Confesso que não sei se rio ou se choro.

Ao conversar com o paciente, me esforço para manter minha seriedade.

De acordo com a sua história mirabolante, ao preparar a massa para um bolo de chocolate, ele escorregou no piso da cozinha e caiu sentado sobre uma das pás da batedeira elétrica.

Simples assim.

Sim, claro, óbvio, lógico.

A ética médica nos orienta a acreditar em todos os pacientes e por isso mesmo anoto atencioso todas as suas palavras no prontuário.

A parte de estar pelado na cozinha ele não soube explicar, mas pediu quase desesperado para não ficar internado, pois não saberia explicar o “incidente” para a sua esposa e filhos.

Decidimos realizar a retirada do dispositivo no centro cirúrgico sob bloqueio anestésico local. Após massagem abdominal e dilatação manual da região, removemos o dispositivo com o cuidado de não provocar nenhuma perfuração intestinal.

Quem não gostou nenhum pouco do atendimento foi o chefe da cirurgia e é impossível não concordar com ele. Em um hospital público, deixar de atender a pacientes com reais problemas de saúde (atropelados, baleados, traumatizados, vítimas de quedas no trabalho) para resolver os problemas de perversão de alguns chega a ser uma espécie de desaforo.

Por fim, a parte mais curiosa mesmo foi o cara querer a pá da batedeira de volta.

Sério cara, tenho pena da sua família.