A mala do vizinho

Cheiro de churrasco no pronto-socorro.

Sério, eu vou a óbito e não vejo tudo.

Após uma discussão na madrugada por causa do som alto, um vizinho invadiu a casa do outro, colocando abaixo toda a bagunça.

O que ele fez?

Simples, agrediu o vizinho barulhento com a grelha quente do churrasco.

Além de um corte gigante no supercílio esquerdo, o rosto do infeliz ficou todo queimado, marcado pelo desenho em bolinhas da grelha. Por onde ele passava, levava consigo todo aquele cheiro de carvão com linguiça.

Devido ao alto teor alcoólico no sangue do chamuscado, preciso aumentar a lidocaína para uma sutura sem muita dor. Enquanto vou dando os pontos, sou obrigado a escutar calado o discurso inflamado – ou inflamável – de sempre. Geralmente são pessoas com pouca massa cerebral com a convicção de serem as donas da razão, como se houvesse algum sentido em obrigar a todos os vizinhos a ficarem acordados com suas atitudes e músicas bizarras.

Este é o país conhecido pelo grande número de leis vazias e pelo vazio do respeito entre as pessoas. A lei seca é uma dessas pérolas, que conseguiu pretensamente modificar o hábito de muitos. O receio de ser flagrado dirigindo bêbado faz com que muitos desistam dos bares, transformando suas próprias casas em inferninhos particulares.

É uma lógica que até faz sentido. Menos marginais nas ruas em detrimento da boa vizinhança. Junto com a bebedeira, os vizinhos precisam aguentar as festas, que atravessam as noites acompanhadas de muito transtorno.

Isso tem se refletido no número de ligações que a polícia recebe. Acredite, 65% das queixas são referentes ao excesso de barulho proveniente de vizinhos.

Se você já viveu – ou vive – esse tipo de drama, já deve saber que a polícia simplesmente ignora a maioria desses pedidos de socorro.

O jeito talvez seja se acostumar com as noites em claro.

O ideal mesmo seria se fosse possível fazer as malas.

As malas do seu vizinho.