Quando as algemas foram colocadas em seus pulsos, Ana quase esboçou um sorriso. E embora amedrontada, manteve a cabeça erguida mesmo quando os policiais a jogaram naquela viatura suja.
Enquanto isso, entre palavrões e gritos de dor, Cristiano era levado para o pronto-socorro após ter levado a maior surra de sua vida. Vermelho, violeta, lilás, roxo… o sujeito estava com tantos hematomas, equimoses e escoriações, que mais parecia ter sido atropelado por um ônibus.
Na verdade, o que passara por cima de Cristiano, sem dó tampouco piedade, tinha sido uma palavrinha traiçoeira, de apenas oito letras.
Vingança.
E ao contrário do que tanto se propaga por aí, Ana agora sabia que pouco importava se era servida fria, morna ou aquecida no micro-ondas. Vingança era um prato saboroso de qualquer jeito.
Poucos sabiam, mas por trás daquela imagem de bom companheiro, gentil e prestativo, Cristiano escondia uma personalidade sombria, opressora em ciúmes e sentimentos de posse, sempre fermentados pelo excesso de álcool.
Sim, desses príncipes-sapos nossa cidade-pântano está repleta.
À beira de um colapso por tantos anos apanhando sem sequer saber o porquê, naquela noite Ana pirou ao ver Cristiano sentando a mão na filha mais nova do casal, de apenas seis meses.
Acabava naquele exato instante qualquer tipo de afeto por ele.
Sem pressa, articulou seu plano enquanto remoia toda a humilhação já praticada por aquele homem. Por fim, quando o sono etílico chegou, Cristiano nem percebeu quando foi amarrado à cama. Acredito que ele só tenha acordado de fato quando Ana passou a golpeá-lo sistematicamente com uma barra de ferro. Por sorte – ou azar – os vizinhos ouviram os berros e avisaram a polícia, algo que nunca acontecia quando era ela a vítima.
Apesar de tantos ferimentos, Cristiano logo voltaria são e salvo para casa.
E agora esperaria ansioso o regresso de Ana.
A vingança é mesmo um prato cheio.
Olha só
Segundo dados do Ipea, todos os dias uma média de 15 brasileiras são mortas pela brutalidade de seus companheiros.