Qual memória o pão com vina desperta em você? Para alguns, tem gosto de infância, de pão de leite com salsicha ao molho nos aniversários, ou quem sabe aquele dogão super recheado no fim da noite. Eu lembro das reuniões com os amigos, no Boqueirão. Passávamos no mercado para garantir o molho, a vina, o pãozinho francês, maionese, batata palha. A festa era completa no fim de semana com a turma.
Popular já há tantas décadas, pode até ser que um jovem hoje não reconheça como cachorro-quente o mais autêntico pão com vina de Curitiba – símbolo completo da curitibanice [só aqui a gente consegue entender o significado de vina].
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Num dos cartões-postais da cidade, no Calçadão da Rua XV de Novembro, entre os bares com as mesas embaixo das coberturas roxas de acrílico assinadas por Abrão Assad, o Bar Mignon mantém no cardápio o autêntico lanche curitibano.
Pão d’água, duas vinas e cebolinha verde picadinha, acompanhados de molho de pimenta e mostarda escura (R$ 15). Esse é o pão com vina, um dos mais antigos da cidade. Duvida? Quem confirma a história é o gerente da casa, Paulo Roberto Cordeiro. “É o mais antigo que você vai achar. Não vai encontrar mais nada nesse tipo. Hoje em dia o cachorro-quente segue outro padrão, do cachorro de carrinho, com um monte de coisa. Tudo é questão de gosto, da clientela”, comenta.
O selo pelo pão com vina mais antigo da cidade tem briga entre vizinhos. Ali ao lado, no Bar Triângulo, o clássico lanche também é vendido, com pequenas diferenças. A treta toda, deixo de lado. Estico em outra reportagem.
Vina, a salsicha de Viena
A história conta que um açougueiro alemão, vindo de Viena, resolveu inventar um novo tipo de salsicha em 1805. Johann Georg Lahner misturou carne bovina e suína e criou a Wienerwust. Anos depois, em 1845, Curitiba começou a receber imigrantes europeus. E, adivinha? A Wienerwust veio de carona.
O nome é difícil, complicado. Para simplificar, o povo passou a chamar Wienerwust de salsicha de Viena, a vina. Mas calma, a vina dentro do pão demorou para se popularizar por aqui.
Inaugurado em 1925 e fundado por Heitor Amatuzzi, o Mignon nasceu para ser uma lanchonete e pastelaria. O status de bar surgiu décadas depois. O nome nada tem a ver com o corte nobre da carne. É uma maneira mimosa de dizer que o lugar é pequeno, já que mignon significa pequenininho, gracioso, em francês.
Os primeiros cachorros-quentes de Curitiba surgiram com linguicinha, aquela fininha, com carne de porco. O lanche no Bar Mignon surgiu anos depois da abertura. Foi só depois de 1945, com a industrialização pós-guerra, que a vina começou a ser produzida em maior escala. Aí ela foi para o meio do pão.
Parece um sanduíche simples, bem básico. E aí que vem o engano. Basta provar a salsicha de Viena que o sabor se sobressai. A vina é uma salsicha mais macia, mais grossa, com sabor da carne mais evidente – tanto a suína como bovina, é suave e ao mesmo tempo bem marcante. Como é cozida na água antes de servir, é bem suculenta, desmancha a cada mordida. Na versão do Mignon, a vina no sanduíche com pão d’água não precisa disputar protagonismo. A cebolinha verde complementa o sabor. A mostarda escura é fundamental para completar o lanche.
“Hoje em dia a vina não é exatamente como era daquele tempo. O processo antigamente era mais artesanal, uma massa diferente, bem diferente da salsicha”, lembra Cordeiro. Produzida em Curitiba, a vina foi aos poucos ganhando sucesso. No Mignon, o fornecedor das vinas segue o mesmo de 50, 60 anos.
Com o tempo, o Café Mignon passou a ser bar. O cachorro-quente com vina virou companhia para a cerveja gelada nas madrugadas de Curitiba. Durante décadas, era um dos poucos lugares abertos até tarde da noite.
“Pão com vina, sanduíche de pernil, cachorro com linguiça no pão, bife no pão. Era o que fazia parte do cardápio, que foi mudando ao longo da trajetória”, explica o gerente. Aos poucos, com a influência dos Estados Unidos, o pão do sanduíche mudou para um mais doce. A salsicha mudou, foram acrescentados molhos, acompanhamentos, vinagrete, maionese, ketchup, e por aí vai.
Clientela fiel
O famoso pão com vina segue fiel e autêntico à receita original. A clientela, formada em sua maioria por uma turma mais velha, mata a vontade de comer o lanche com certa frequência no Bar Mignon.
A clientela, aliás, costuma ser movimentada e bem famosa. Reza a lenda que para ser governador do Paraná, o político tinha que antes frequentar o bar. Três presidentes do Brasil já sentaram no estreito balcão: Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Luiz Inácio Lula da Silva.
Tempos atrás, era um dos únicos lugares para uma cerveja na madrugada. Hoje, o bar não fica aberto mais até tarde da noite, e passou a servir almoço, pratos executivos. A vina é estrela em umas das opções, servida com salada de maionese, tomate, cebola e alface no prato, pão, mais vinas e/ou linguicinhas e farofa. O prato fica por R$ 40, serve duas pessoas.
O cardápio também aposta no clássico churrasco com filé de alcatra e mignon, o ‘orelha de elefante’, por R$ 95, para duas pessoas. Há opções baratezas de almoço, por R$ 25 – meia salada acompanhada de farofa, pão e bife ou frango grelhado.
Os lanches consagrados são os mais vendidos no Mignon. O pernil com verde (R$ 17,90), ou mesmo o original da casa Marchand, com pernil e vina juntos (R$ 22), continuam como apostas no cardápio.
*Os valores do cardápio divulgados no post são de fevereiro de 2024 e podem sofrer alterações.
Quer conhecer o Bar Mignon?
O Bar Mignon fica no calçadão da Rua XV de Novembro, 42 – Centro. Funciona de segunda a sábado, das 11 às 22 horas. Fechado aos domingos. Telefone: (41) 3076-3216.
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