Era um vestido mídi, de crepe, laranja claro, quase salmão. Justo, com barrado sereia e estampado com lírios grandes, azuis lápis-lázuli. Era um vestido bem bonito. No cesto, já tínhamos separado algumas roupas para provar e no caminho até o provador, minha avó se deparou com esse vestido numa das trocentas araras entre as quais a gente se espremia na garimpagem pelo brechó.
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Curiosamente, até meu avô que detesta Curitiba, e detesta qualquer programa fora de casa (ainda mais em Curitiba) se divertia entre os corredores poentos naquela tarde fria, BEM CURITIBANA, de chuva gelada e petit pavê encardido em pleno centrão-louco. Mais Curitiba impossível.
Ele olhou uns ternos, uns suspensórios, deu uma olhada nos paletós. Desistiu por preguiça. Enquanto isso, minha avó borboleteava, xeretando peças e vislumbrando pessoas nas quais serviriam. Uma camisa social para o meu tio, uma echarpe diferentona pra minha mãe, uma saia para minha priminha.
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Aí surgiu o tal vestido. “Olha filha! Que lindo esse! Você gosta?”. “Bem bonito, vó”, respondi, pensando “cá pra mim” que talvez fosse justo demais e que com certeza não ficaria muito bem no meu corpo. Além do mais, era um vestido de alcinha, bem verão, pra mostrar pele e esbanjar alegria. “Quando é que eu vou usar isso em Curitiba?”, pensei.
“Vó, acho que não combina muito comigo”, eu disse. Então no auge do seu metro e cinquenta centímetros, aos oitenta e dois anos e toda a “vovózice” do mundo, ela rebate: “não, filha! É pra mim”.
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Perplexa. Como dizer pra minha avó que aquele vestido era “jovem e justo demais” e que, possivelmente, não passaria nem pelos seus ombros? Fiquei sem graça e ao mesmo tempo com dó. Pensei que talvez vovó estivesse “rimbambita” ou “cachirula” (como falam na minha família quando alguém não tá batendo direito das ideias). Fiquei com medo que se frustrasse. Desisti de demovê-la da ideia de provar o vestido. Acompanhei-a ao provador sem saber que ali, entre pilhas de roupas usadas, sentada no puff cafonérrimo de um brechó, numa tarde azeda atrás do terminal do Guadalupe, eu aprenderia uma das maiores lições da minha vida.
Vovó sai do provador esvoaçante, cor de laranja, abraçada por lírios azuis lápis-lázuli. Linda! Perfeita! O vestido, no tamanho certo, abraçando o corpo baixotinho, deixou-a esguia e com “tudo no lugar”. Não servia, somente. Tinha sido feito pra ela.
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Vovô solta um “fiu-fiu”. Vovó sai feliz de vestido novo e minha jumentice fica por lá mesmo. Naquele dia aprendi que a “cachirula e rimbambita” era eu. E que “jovem e justa” era mesmo a minha avó: por honrar as curvas do seu corpo, que persistem na plenitude de seus 82; por valorizar sua feminilidade na escolha de cores vivas e brilhantes; por fingir que não ouviu meu comentário obtuso e por entender minha limitação com todo o amor e com toda a paciência.
Se você nunca levou seus avós ao brechó, recomendo. Pode ser uma ótima oportunidade para se tornar alguém melhor.