Zé do Prato, Caboclo Matador e os peões esquecidos

Danúbio disse na rede social que colocou à venda sua casa perto do Parque Tanguá e quando eu quis saber o motivo, ele disse que pensava em mudar de bairro e até de ares. Eu entendi “mudar de ares”, como cogitasse mudar de cidade, porque ele disse que se cansou dos impostos que paga para manter abertas as portas de seu Bar Bozza. No dia seguinte eu passei na frente do bar e vi uma placa de aluga-se grudada na porta fechada. E conclui que ele fechou o bar e comentei com um amigo. O amigo comentou com Danúbio, que disse que não fechou o bar e ficou fera comigo. Ele disse que eu fiz confusão. Eu fui ao Bar Bozza esclarecer a confusão. Danúbio estava chateado e disse que se todo mundo que ligou para ele querendo saber se ia fechar o bar frequentasse o bar ele estava rico.

Ele mostrou uma caixa cheia de contas. Eu concordei com ele. Ele disse que a imobiliária alugava uma sala no primeiro andar e botou a placa na porta do bar. Um sujeito moreno no canto do bar e se aproximou mancando da perna esquerda. Ele disse que a internet registra bobagem do presente e esquece o passado. Eu não respondi por que já estava ressabiado por entender uma coisa e ela ser outra. Danúbio falou que tudo de importante hoje está na internet. O moreno disse que ele procurou pelo campeão de rodeio de nome Janderval Mariano, apelidado de Caboclo Matador pelo renomado Zé do Prato e não achou. Danúbio foi ao computador que mantém sobre o balcão do bar, consultou e não tinha nada nem por Janderval Mariano, nem por Caboclo Matador.

O moreno disse que ele era Janderval. E que seu nome se perdeu na história e seus feitos também. Mas ele ganhou rodeios em Aparecida do Taboado, ganhou prêmios em Americana e na primeira Festa do Peão de Colorado. “Esta festa foi uma das últimas de Zé do Prato. Ele estava lá com seu terno branco e sua voz inconfundível”, disse Janderval. Zé do Prato morreu um ano depois. “Hoje na internet tem apenas algumas linhas sobre ele. Se alguém fosse escrever tudo o que aquele negro merece, daria para encher dois livros”, disse ele. Danúbio procurou vídeo sobre rodeios e mostrou cenas de peões em Aparecida do Taboado.

Janderval olhou com expressão distante. Danúbio perguntou se o problema na perna foi queda em rodeio. “Eu nunca tive queda que me prejudicasse. Às vezes a montaria cai sobre o montador, mas tem que ser azarado para acontecer algo ruim”, disse. “Mas você parou de montar por causa da perna?”, insistiu Danúbio, enquanto eu continuava calado. Janderval abaixou a cabeça e respirou resignado. Por fim, disse: “Foi por causa da perna que eu parei”. Danúbio insistiu mais uma vez: “Mas o que aconteceu com a sua perna?”. Janderval respondeu: “Ela quebrou”. E não disse mais nada. Em seguida voltou para o seu canto e também ficou calado.

Eu tomei duas cervejas. Danúbio reclamou da vida e disse que às vezes pensava em vender o bar. Falou que muitas vezes ficava puto da vida. Mas o fato de ele ficar puto da vida não significava que ele estava vendendo ou fechando o bar, apenas que às vezes ele pensava em vender, porque as contas não paravam de chegar e o lucro não dava para pagar tudo e que isso irritava qualquer pessoa. Eu achei aquilo meio confuso e mais uma vez me desculpei pela minha confusão e depois eu fui embora. Janderval também se despediu e foi mancando ao meu lado. Eu fui para o ponto e ônibus ele foi junto. Ele disse que pensou que tinha o trocado da passagem e não tinha. Ele gastou a grana na cerveja. Janderval perguntou se eu podia pagar a passagem dele. Eu disse que sim.

Pegamos o primeiro ônibus que apareceu no Passeio Público. Ele ia para Rio Branco do Sul. “É este que eu quero”, disse Janderval. O ônibus estava vazio. Sentamos no banco duplo. Ele contou: “O negócio da perna foi uma morena. Ela se apaixonou, sabe? Mas tinha um playboy que gostava dela. Eu saí com ela. Ele jogou o carro na calçada, me espremeu contra a parede e esmagou a perna esquerda. Nem gosto de lembrar daquilo. E foi assim que parei”, disse. “E a morena?”, perguntei, antes de descer mais adiante. Ele me olhou: “Está em casa me esperando”.