Ludmila Radaczwiski foi namorada de Macalé e eles terminaram por um motivo obscuro. Um dia ela apareceu na casa do ex e queria ir ao cinema. O sujeito esnobou, ela não se apertou e apontou para José Cartola. “Quem é o bonitão?”. Macalé balançou os ombros e respondeu: “É Zé Cartola. De Maringá”. Ela olhou o cara de cima para baixo e disse: “Gostei”. Em seguida perguntou: “Você é do tipo que diz não para uma garota?”. Zé Cartola foi atrevido: “Para uma garota como você, eu nunca digo não”. Ela gostou do atrevimento e disse: “Então me leve ao cinema”. E antes que ele dissesse qualquer coisa ela emendou: “Eu pago”.
Zé Cartola foi ao quarto, pegou roupa limpa, tomou banho, trocou de roupa e, quando estava saindo, Macalé sussurrou em seu ouvido: “Faça bom proveito”. Zé Cartola achou que Macalé estava com despeito. Na dúvida, respondeu: “Tudo bem. Fique tranquilo”. Antes de sair ele ainda ouviu Macalé resmungar: “Eu não ficaria tão tranquilo”. Zé Cartola não entendeu. E foi com Ludmila de ônibus ao Cine Condor. Lá, esqueceu o filme e ficou a fita inteira beijando a dona na maior pegação. Como ela correspondia, ele não teve medo de ser feliz.
Quando o filme terminou, ele a levou pra casa. A casa da moça ficava atrás do cemitério municipal. Perto da meia-noite fazia frio, a cidade estava nublada e a garoa incomodava. Mas Zé Cartola se esquentava com os beijos de Ludmila. Não havia quase ninguém na rua. Ela mostrou a casa em que morava. Numa rua vizinha ao cemitério. Antes de ela entrar, ficaram se beijando, sob uma árvore. Ele estava preocupado. Era quase meia-noite. Tinha que voltar a pé pro Juvevê. A distância preocupava, mas, além dela, o frio. Enquanto pensava, Ludmila apalpou sobre a calça dele e disse: “Nossa, durinho!”.
Ela ficou dengosa e perguntou, sem tirar a mão: “Vamos?”. Ele olhou ao redor e não entendeu: “Vamos onde?”. Só de pensar que ela o chamava para ir ao quarto na casa dela, ele se assustou. Se pai ou irmão descobre, estava ferrado. Ela mostrou o muro do cemitério. Havia um pequeno portão, semiaberto: “Lá dentro”. Ele não acreditou. Achou que ela o testava, para saber se era homem de coragem. Ele sempre respeitou cemitério. Os filmes de terror ensinaram que mais que respeito, era necessário temer os defuntos. Eles eram de outro mundo.
Mas ele também não podia dizer não. Mulher é o bicho. Ela ia contar pra todo mundo que ele afinou e ele ia ficar com fama de frouxo. Mas como iam fazer aquilo no cemitério se estava frio e no cemitério não tinha nada aconchegante além de lápides frias? A noite é cheia de perguntas. Uma boa maneira de descobrir se o convite era desafio era dizer sim: “Vamos lá!”. Ele disse com entusiasmo de quem queria ouvir: “Estava brincando, bobinho!”. Ludmila disse: “Vamos lá!”. Quando chegaram ao outro lado, tudo era paz. Só os dois para incomodar os mortos.
Ele olhou para os lados: “Como é que se faz isto aqui?”. Ela o empurrou sobre uma laje, ele caiu sentado. Ela abriu as calças dele e disse: “Agora é comigo”. A primeira coisa que ele pensou foi que a bunda dele estava numa laje gelada de mármore e aquilo não era legal, não era normal e algumas ideias estranhas começaram a perturbá-lo. Ele pensou que Ludmila era uma vampira de Curitiba. Ou ele era frouxo porque estava ficando com medo. Os pensamentos atrapalhavam a concentração. Ele resolveu fechar os olhos, para não cair na tentação de olhar para os lados, ver túmulos e talvez uma mão descarnada sair de um deles. Seria trágico para o bom desempenho. O certo é que se ele ficou com medo, a garota se divertiu. Quando terminou, ela o abraçou e disse: “Você é maravilhoso”.
O frio aumentou e ela achou melhor ir embora. Ele saiu dali e foi para casa apressado, com os braços cruzados junto ao peito e sem olhar para trás, com medo de algum espírito chamá-lo para conversar sobre os direitos dos mortos no cemitério. No dia seguinte, Macalé perguntou: “Ela te levou ao ,cemitério?”. Zé Cartola olhou assustado: “Como é que sabe?”. O ex de Ludmila explicou: “Eu larguei dela por isso. Levei à praia, levei ao hotel, trouxe aqui, fui até na casa da mãe dela. Nada. Ela disse que só fazia se eu fosse ao cemitério com ela. Eu pulei fora. Eu acho que agora ela não vai largar do teu pé”.
Macalé estava certo. Foi um sufoco para Zé Cartola se livrar de Ludmila Radaczwiski. Ela ligava todos os dias para se encontrar à noite com ele no cemitério. Por ela, iam todas as noites ao Condor e na volta, fornicavam sobre as sepulturas. O que ela via de interessante naquilo era coisa que Zé Cartola nunca soube. Ela só o deixou em paz, porque, alguns meses depois da noite no cemitério, ele voltou para Maringá, anunciando aos amigos que dormiu com uma vampira de Curitiba. Os amigos acharam que era mentira, que em Curitiba não tinha vampiros. Mas Zé Cartola sabia que tinha vampiros de tudo que era tipo, incluindo algumas vampiras sensuais.