“Vocês ainda não viram nada, mas J. Bressan viu tudo”

No dia em que o conheci, ele disse: “Bressan, J. Bressan”. E fez cara esperta de quem disse tudo e eu não entendi nada. O primeiro nome ficou sempre oculto atrás da letra J, porque ele não gostava do resto, que formava a palavra Justino. Portanto, nunca chamei J. Bressan de Justino. Como ele era amigo de todo mundo, acabei sendo mais um no turbilhão fraternal que gravitava ao seu redor. Bressan, com exceção dos defeitos, era um cara legal. Até onde conheço o assunto frases célebres, ele foi o criador de uma delas, no gênero de efeito e sem sentido. A contribuição foi esta: “Vocês ainda não viram nada, mas J. Bressan viu tudo”.

Bressan conquistou lugar cativo entre apreciadores de carros velhos, restauradores e garimpeiros de sucatas em Curitiba e arredores, condição que o credenciou a ir em 2008 para o Uruguai, buscar um velho Citroen 1951. Viagem que o levou a declarar: “Eu conheço o Uruguai!”. Mas ele sabia que passou apenas uma tarde em Rivera, na fronteira com o Rio Grande. E para tentar reparar este vazio em sua biografia ele decidiu ir a Montevidéu na terceira semana deste mês. E me convidou a ir usando o seguinte argumento: “Se você não for comigo, não vai nunca mais, porque você já está no toco, velho!”. Um argumento que nem o mais infame redator de publicidade escreveria. Mas J. Bressan usou e teve o efeito da frase de um gênio da publicidade, porque eu decidi ir.

O que era para ser uma viagem prazerosa e sem atropelos virou uma confusão cheia de imprevistos e personagens estranhos. Na véspera, Bressan aceitou convite do Batalhão de Blindados no Sul do Brasil para tirar carteira de motorista de tanque de guerra. Eu com passagem comprada, disse: “Cê tá brincando, amigo! Agora não é hora de aprender a dirigir tanque!”. Ele disse que não estava brincando e foi para Rio Negro. Achei que não voltaria, mas cinco minutos antes de entrar no avião da TAM para Montevidéu, J. Bressan apareceu no alto da escada rolante da sala de embarque com um sorriso meio irônico e meio não sei o quê, como dissesse: “J. Bressan falha, mas não tarda”. Ou vice-versa.

E fomos para Montevidéu. Quando o avião pousou no aeroporto internacional de Carrasco, os olhos dele brilharam. Ele viu na pista secundária uma aeronave grande, dois caças e três helicópteros com inscrições da Royal Air Force. Ele disse: “Chegamos numa boa hora. Os ingleses estão aprontando alguma por aqui”. Ele já pensava em virar correspondente de guerra por acaso. Na hora de pegar táxi, no entanto, seu lado econômico esqueceu a guerra. “O táxi é uma fortuna. 1.500 pesos. Vamos de busão que é 40 pesos”, disse, ajeitando a enorme sacola de acampar na calçada do ponto de ônibus. Enquanto o ônibus fazia o percurso entre aeroporto e Cidade Velha, Bressan prestava atenção no linguajar nativo, para aprender expressões uteis na breve estadia na cidade. Mas ele não entendeu nada.

Quando chegamos ao centro de Montevidéu, fomos ao Hotel Esplendor. Estava cheio. Bressan não se apertou. Procurou duas centenas de metros adiante e encontrou o Gran Ritz Hotel, que deve ter sido um dos melhores da cidade nos anos 50, talvez nos anos 60, mas que atualmente gozava do prestigio de ser uma espelunca. Eu me lembrei da frase: “Vocês ainda não viram nada, mas J. Bressan viu tudo”. Entrando em lugares como aquele seria surpreendente que não visse tudo. Quando nos instalamos no quarto 504 do hotel, com duas pequenas camas, ele confidenciou: “Estou com o pressentimento de que vai ter uma bela guerra por aqui”. Eu achei absurdo. Mas ele sacou um argumento indefensável: “A invasão argentina nas Malvinas também foi absurda e aconteceu”. Eu apostava tudo que aqueles aviões da RAF no aeroporto eram uma bobagem como treinamento de pessoal. Como o treinamento que J. Bressan fez em Rio Negro fez para aprender a dirigir tanque de guerra e que não vai servir para nada. Mas Bressan dormiu sonhando cobrir a guerra que ele achava que ia estourar na manhã seguinte. E eu dormi me sentindo um caranguejo depois do banho fervendo que tomei.