“Você quer apanhar? Vem apanhar na casa de seu avô!”

Macaxeira veio em 1959 para Londrina depois de um desentendimento no interior da Bahia. O cara morreu e a família jurou vingança. Como tinha irmão ganhando dinheiro no Norte do Paraná, achou que era bom lugar para se esconder. Macaxeira era forte, dirigia jipe, montava palanque, colava cartaz, fazia um monte de coisas. Com este talento ingressou na campanha de Nelson Maculan para o governo do Paraná. E foi assim que veio para Curitiba. Quando chegou à cidade num dia de julho de 1960, a primeira coisa que disse foi: “Lugar mais frio do mundo, moço! Eu não vou me acostumar com isso não”. Macaxeira ainda está na cidade, hoje com quase 80 anos e vai ficar por aqui até os seus últimos dias.

Mas este negócio de reclamar de frio não é novidade: ele não é o único que reclama de frio, de chuva e do clima instável. Reclamar é passatempo popular na cidade. Às pessoas reclamam por não ter o que dizer e ás vezes até sem perceber que estão reclamando. Quando vi Macaxeira ontem, só de sacanagem eu perguntei: “Cidade mais fria, hein Macaxeira?”. Ele fingiu não ouvir. Estava revoltado com outra coisa. Depois de alguns minutos fiquei sabendo que eram as lutas de MMA. Wanderson, neto dele, é louco por aquilo. Ele disse para o avô que ia entrar numa academia para aprender lutar e quem sabe virar profissional. Macaxeira arregalou os olhos e disse: “Teu pai não vai deixar. E se ele deixar eu não deixo. E se você entrar eu te arrebento”. Wanderson ficou assustado e não tocou mais no assunto. O velho ainda arrematou: “Vai estudar menino e não bota minhoca na cabeça!”.

Argumento de Macaxeira: “Se você quer apanhar, vem apanhar na casa de seu avô. Ou de teu pai. A gente vai bater com muito carinho. Não precisa apanhar de estranho na rua ou em academias. No fim das contas, quem vai consertar o estrago é a família. Então a gente arrebenta e conserta, até aprender que apanhar não é gostoso”. Não deixa de ser uma teoria interessante. Muitos garotos se entusiasmam com a violência desta luta e extrapolam. E não raro chegam em casa sem um pedaço do dedo ou da orelha. E mais: orgulhosos porque também arrancaram um pedaço do oponente. Macaxeira disse que viu lutas na televisão e se impressionou. “Menino, meu pai foi cangaceiro. Eu não tenho medo de sangue e nem de homem. Mas aquilo é exagero. Aquilo é violência gratuita. Os homens arrancam pedaços um do outro sem o menor motivo”.

Eu disse que concordava com ele. Mas havia motivo naquilo. Ele quis saber e eu disse que era entretenimento, diversão. Ele arregalou os olhos: “Aquilo nem é coisa de animal, porque animal arranca pedaço de outro para comer e não para se divertir”. E para mostrar que estava por dentro do assunto, disse: “Você sabia que até as mulheres estão se deformando de pancada nesta luta infame?”. Eu disse que sabia e ele falou que aquilo era desumano: “As mulheres não precisam seguir os homens nas coisas malucas. Só nas boas”. Pior era que eu concordava. Eu disse que as lutas se transformaram na coqueluche internacional, desbancando lutas de boxe. Macaxeira estava inconformado: “Para mim é coisa de sadomasoquista, porque quem gosta de ver gente arrancando sangue de gente é masoquista”.

Eu disse que seria mais sensato restaurar os antigos coliseus romanos e soltar os homens para enfrentar os leões. Pelo menos, neste caso, os leões não iam passar fome e não ia correr risco de extinção. Pode parecer radicalismo, mas o princípio é o mesmo. Macaxeira me olhou sério: “Fecha esta matraca, menino! Não fale bobagem desta por aí que pode aparecer um espertalhão para fazer a coisa. Porque se alguém trouxer isto de volta, público vai ter. E anunciante também. Provavelmente algum frigorífico”. Eu resolvi mudar de assunto: “E a cidade, Macaxeira?”. Ele perguntou: “O que tem a cidade?”. Eu disse que era fria. Ele me olhou espantado: “Frio? Você está brincando! Você tinha que ver no dia em que eu cheguei aqui. Tinha neve na rua. Agora não. Acabou o frio de Curitiba. N&,atilde;o tem mais nada”.