Eu terminei de fazer a barba, tomei banho e estava com tanta pressa que sai de casa sem passar a loção pós-barba. A verdade é que na maioria das vezes uso álcool que faz o mesmo efeito de esterilizar pequenas ranhuras na pele e evita irritações cutâneas. Eu me esqueci. E na rua aquilo me incomodava. Eu passei no mercado. Queria passar álcool no rosto, mas não ia comprar um litro porque era grande e não queria levar álcool para o trabalho. O pior era que o álcool era mais barato. Fui ver o preço da loção pós-barba, da Bozzano, que eu pagava 8,90 e ela estava custando 20,00 a verde e 19,00 a azul. Tudo bem que existe inflação por aí. No entanto o salto do preço de alguns meses para o atual é inexplicável.

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Eu conversei com o Piauí, o garoto do caixa e naturalmente ele não tem nada com isso. O negócio dele é registrar o preço e cobrar. Ele não é responsável nem pelas filas que se formam diante de seu caixa. Ele me informou o preço e depois continuou passando as mercadorias de dona Gertrudes Norberg. Eu disse para o Piauí: “Caramba, rapaz, dois frascos de loção estão mais caros que um litro de whisky?”. Ele me olhou com cara de quem não tinha nada com isso e respondeu: “Pois é, meu chapa!”. Eu argumentei que valia mais a pena comprar uma garrafa de whisky porque o teor alcóolico era semelhante ao do álcool à venda no mercado e ainda dava para lambuzar a cara e de noite beber o resto. Foi aí que Dona Gertrudes entrou na parada.

“Eu acho que o senhor devia comprar a loção pós-barba. Se comprá-la vai ficar cheiroso e não vai ficar bêbado”, disse. E para arrematar, emendou: “Uma mulher sempre prefere um homem cheiroso a um homem bêbado, cheirando a álcool”. Piauí me olhou com cara irônica, como pensasse: “Negócio, meu chapa, é se você quer ficar com mulher ou sem mulher”. Não discuti com Dona Gertrudes e comprei a loção pós-barba pelo preço absurdo. Dona Gertrudes ficou tão preocupada em dar sua opinião sobre a minha compra que acabou se esquecendo de um vidro de tintura para o cabelo que havia acabado de comprar. Aliás, era cor ruiva e achei que não combinava com o rosto dela. Ela ficaria melhor com o castanho. Se soubesse que ela estava comprando, eu teria dado palpite – já que ela se sentiu no direito de dar palpite na minha compra.

No entanto, o que ela manifestou é uma opinião corrente entre as mulheres. A maioria não gosta de homem bêbado e a maioria se for escolher prefere um homem cheiroso. No entanto, tem muitos homens que não pensam do mesmo jeito. Principalmente os alcoólatras, claro. No ponto de ônibus passei a loção no rosto e enfiei o frasco no bolso traseiro da calça. E me lembrei de um amigo cujo pai era um alcoólatra anônimo. Não tinha mais jeito. O velho Juventino cismou de morar na chácara do filho. Que achou boa ideia. Ar do campo, clima bucólico, verde, canto do galo, estas coisas rurais poderiam fazer bem ao velho. Ele ia pensar um pouco na natureza e esquecer o álcool. Mas o meu amigo tinha um bar na casa da chácara, onde seu pai iria ficar. Claro que o velho ao vislumbrar o bar, sentiu-se no paraíso.

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Ele começou a beber o que havia no bar. Bebeu até acabar o estoque. E quando acabou ele tomou o álcool que havia na casa. E quando acabou o álcool, no desespero, ele atacou o banheiro onde havia vidros de loção pós-barbear. Verde e azul. Tomou as duas. Primeiro o azul que era mais bonito. Este meu amigo foi para a chácara e encontroou o pai com cara de louco. Excesso de álcool seguido de abstinência, pois tomara tudo o que havia com teor alcoólico na casa, incluindo, no desespero, dois vidros de Biotônico Fontoura. Ele tentou censurar o pai. O velho não ia entender. Afinal, era doente, porque alcoolismo é doença. Sem saber o que perguntar ao velho pai ele pegou os vidros de loção pós-barba e indagou: “Você não viu diferença entre a loção e as bebidas do bar?”. O velho respondeu com voz esganiçada e expressão ausente: “Percebi. A loção deixou meu bafo mais bacana que a bebida”. Bem, eu me lembrei disso por causa da compra da loç&,atilde;o e a observação de Dona Gertrudes. De qualquer forma, o preço estava caro.