Uma fábrica de sósias cujos sócios ninguém conhece

Já me aconteceu várias vezes, em Curitiba e em outras cidades, de alguém perguntar: “Mas você não é o fulano?”. Eu não era o fulano – eu sou o beltrano. A pessoa insistia que eu era a cara do fulano. Não vou dizer que é uma situação rara porque há alguns meses eu encontrei na internet uma fotografia antiga de três irmãos franceses. Um deles, Henri Seeberger, que morreu em 1956, me pareceu a cara de um amigo em Londrina. Para tirar dúvida coloquei na rede social com a pergunta e todos que o conheciam foram unânimes em dizer que era a cara do Nelson. Até o próprio viu semelhança, embora fosse uma foto feita há décadas passadas e na Europa.

Quando morava em Londrina eu ficava invocado com o fenômeno de encontrar pessoas com a cara de outras pessoas, conhecidas, caso contrário não há como estabelecer comparação. São sósias. Eu trabalhava no centro da cidade. Nas proximidades do bosque havia um homem que era a cara do escritor Ernest Hemingway. Eu acalentava o desejo de tirar uma fotografia com o sujeito para mostrar para os amigos e eles dizerem: “Não pode ser o Hemingway, ele morreu em 1961”. Hemingway por sinal é um dos sujeitos que tem uma legião de sósias. Havia – ou ainda há – em Key West, onde ele morou, um concurso para saber que sósia era mais parecido com o escritor. Vinham Hemingways de todos os lugares dos Estados Unidos e alguns até do exterior. Alguns já chegavam mamados para dar maior autenticidade.

No ano passado os seis sósias mais parecidos com o escritor ganharam uma viagem para Havana. O trabalho deles era ficar para baixo e para cima em certos pontos da cidade durante um congresso sobre Hemingway. Claro que na categoria de sósias não se enquadram sujeitos que deixam topetes e costeletas crescerem e se requebram cantando: “We’re caught in a trap. I can’t walk out. Because I love you too much baby”. O verdadeiro sósia não precisa de artifício. Ele simplesmente é a cara escarrada do outro, a ponto de confundir sem precisar de reforço adicional. Poucos imitadores de Elvis Presley, Raul Seixas ou Roberto Carlos são, na realidade, sósias. São, quase sempre, admiradores sem semelhança física, com grande empatia emocional. Eles vivem amalgamados na história de seus ídolos.

Eu me lembrei deste tema, porque há algum tempo, olhando fotografias de profissionais italianos, encontrei a de uma mulher – ela deveria ter 35 anos, mais ou menos – cuja semelhança com a filha de um amigo meu de Maringá era espantosa. Nem a mãe, pai ou irmão eram tão semelhantes. E as duas estão separadas por um oceano, uma cultura e um tempo que não permitem explicação razoável. O que me ocorreu foi que o mundo está tão cheio de gente, que esgotamos as opções faciais e alguém está repetindo as velhas formas. Seria uma explicação marota e até aceitável não fosse o fato de que os sósias não são um fenômeno novo.

O escritor Mark Twain, meio sósia de meu amigo Mário, o primeiro tem fartos bigodes e não tem as barbas longas do segundo, escreveu um livro chamado “O Príncipe e o Mendigo” que versa justamente sobre um entediado príncipe que resolve passar por mendigo, deixando em seu lugar um sujeito em tudo semelhante a ele. O cineasta Akira Kurosawa usou o mesmo argumento para um filme sensacional em que amigos e parentes de um senhor feudal morto de um Japão antigo recorrem a um vagabundo semelhante ao monarca para dissimular a morte do nobre e esconder a verdade de seus inimigos. O único a reconhecer que o sujeito era um farsante foi o cavalo do nobre.

No filme “Fahrenheit 451”, a atriz Julie Christie interpreta duas personagens – a mulher e amante de um bombeiro – cuja diferença física entre elas se resume a ter cabelos compridos e outra ter cabelos curtos. Assim, a coisa é antiga e não tem fronteiras. E não é surpresa para ninguém passar pelas ruas da cidade e encontrar um sujeito com a cara do amigo que não vê há muito. Talvez porque há muito o universo tem uma fábrica de sósias cujos sócios ninguém conhece.