Uma cadeira especial num jantar no castelo francês

A cena aconteceu num castelo francês nos arredores de Paris, numa localidade cujo nome não me recordo. Eu estava num jantar com várias pessoas todas amáveis, e elas me olhavam com reverência e simpatia. Eu fiquei na cabeceira da mesa, lugar distante, pois não queria ficar perto dos comensais importantes. Eu não era um deles e achei indelicado ouvir conversas que não me diziam respeito. Os garçons eram rigorosamente atenciosos, diria que ninguém me tratou com tanta nobreza. A certa altura comia algo parecido com um File au Poivre e tomava um bom vinho. Também se não fosse não tinha a menor importância porque estava muito bom.

O ambiente não podia ser melhor. A conversa entre os comensais acontecia distante e eu não me preocupava com o que falavam. E tampouco prestava atenção no trabalho da tradutora ou fingia interesse que não tinha. Aliás, a tradutora era simpática. Brasileira, chamada Helena, mas ambientada em Paris. Ninguém apostaria um tostão furado que era brasileira. Existem pessoas assim, que se mudam para países estrangeiros e em poucos anos parecem mais nativas que os verdadeiros nativos. Helena era uma destas. Eu sei que a certa altura Helena me sorriu de um jeito misterioso e encantador e eu não entendi muito o significado daquele olhar.

Como os homens são simplórios, eu achei que ela estava me dando bola. E na primeira oportunidade eu iria dizer alguma coisa para conferir se era o que eu pensava. Eu não sabia o que falavam embora tenha ficado com a impressão de que falavam alguma coisa a meu respeito. Fora isso o jantar transcorreu bem e quando terminou todos permaneceram sentados, como esperassem eu me levantar para também se levantar. Alguém veio me dizer exatamente isso. Que era para eu não cometer uma indelicadeza e me levantar antes dos demais. Quando eu fiz isto, todos se levantaram e se reuniram em grupos.

Eu fui até uma janela de onde não podia ver muita coisa, porque era noite, mas o ar fresco, depois do jantar, me fez bem. Helena ainda sorria e desconfiei que ela ia esperar a primeira chance para se desgrudar dos caras importantes de nosso grupo e vir me dizer alguma coisa. Não deu outra: passaram dez minutos, quando as conversas se tornaram amenas e apareceu outro tradutor, ela se aproximou. Alguns minutos depois nós iríamos voltar para o hotel em Paris. Helena disse que se chamava Helena. Era encantadora e eu já achava que além do jantar maravilhoso eu teria um restante de noite ainda mais bacana.

Helena era mulher de filme francês. Charmosa, bonita e elegante. Como eu sou tímido, deixei que ela sinalizasse algo promissor. Ela disse: “As pessoas comentavam que você é corajoso”. Não sou um herói, às vezes sou magnânimo, mas dou as minhas cacetadas. Por uma questão de modéstia eu disse que não chegava a ser um covarde, mas não me julgava tão corajoso. E indaguei de onde eles tiraram a ideia absurda, que para mim já não era tão absurda assim. Ela apontou a cadeira em que eu me sentei à mesa de jantar e disse: “É que ninguém senta naquela cadeira em que você sentou. É uma longa tradição. Eles são supersticiosos com isso. Você sentou e jantou admiravelmente. É preciso coragem”.

Aquilo me soou, como diria a minha finada avó, que eu dei bola fora. Resumindo, foi uma gafe. Meu corpo esfriou dos pés à cabeça ou vice-versa. A noite maravilhosa com Helena virou farelo. Eu perguntei por que eram supersticiosos com a cadeira. Helena disse que um rei sentou nela em seu último jantar. E, depois foi decapitado. Eu gaguejei: “Sério?”. Ela deu aquele sorriso maravilhoso e disse: “Sério!” Até aí, tudo bem. O diacho que outros dois sujeitos fizeram o mesmo e também foram decapitados em situações misteriosas. Naquela altura eu pensei que só um milagre poderia me salvar. E ainda bem que aconteceu. Eu acordei. Mais assustado do que se tivesse ladrão armado com uma metranca no meu quarto. Acho que vou ler Freud. Ele é bamba em sonhos.