Uma batalha matutina no jardim da Dona Colombina

Começou por causa de Pirata e Safado, dois vira-latas que ficavam na rua e se julgavam donos dela. A sobrevivência deles era garantida por uma dona que morava na casa enorme cercada por muros altos e brancos no meio da quadra. Ela deixava todos os dias comida e água no lado de fora da casa, encostadas no muro, perto do portão de entrada dos carros e distante do portão pequeno. Com sobrevivência garantida, Pirata e Safado protegiam a área. Latiam para quem passava na rua e perseguiam cães que se aproximavam. Eles não tencionavam dividir o alimento e nem a água. Talvez por gratidão, os dois não defecavam perto da casa dos muros altos e brancos e faziam à vontade entre uma esquina e outra, na rua ou mesmo nas calçadas vizinhas.

Os vizinhos não gostavam da honraria, mas não tinham como reclamar. Eram cães de rua e a mulher da casa dos muros altos e brancos não podia ser censurada uma vez que ao deixar comida e água para os cães fazia boa ação. A história seria esta, não fosse o Sr. Jefferson passear todas as manhãs com seu Border Collie chamado injustamente de Cafajeste. Cão e dono moravam em apartamento. Esta a razão de ambos passearem uma vez pela manhã e outra no final do dia, para Cafajeste esticar as canelas, aliviar a bexiga e botar para fora aquilo que passou pelo estômago e não foi aproveitado e que deveria ser expelido. Para evitar confusão, o Sr. Jefferson ia munido de dois ou três sacos plásticos do Mercadorama e três folhas de jornais velhos. Era para recolher a matéria orgânica deixada por seu cão pelo caminho.

O velho homem tinha até código pessoal para recolher dejetos fecais caninos. Ele considerava imprescindível recolher quando o cão expelia nas calçadas e na rua nas saídas de carros em dias de sol ou de chuva. Nos dias de chuva ele considerava opcional recolher na rua ou na frente de terrenos baldios considerando que a chuva ia derreter aquilo e levar para as galerias pluviais. Era um código meio discutível porque existe lei municipal, mas não tirava a razão do Sr. Jefferson no que veio a acontecer. Nenhum conflito começa sem alguém botar lenha na fogueira. Dona Colombina, velha mal humorada e cujo interesse na vida se resumia ao jardim que plantou na frente de casa, cismou que os dejetos fecais deixados na grama de seu jardim foi obra de Cafajeste e não de Pirata e Safado.

E sem colher material para fazer análises e sustentar a acusação, levou seu veredito precipitado para o marido Brutamontes, que tinha o apelido por ser alto, forte e musculoso. Ele não usava com frequência a massa cinzenta acondicionada em sua caixa craniana e preferia exercitar músculos dos braços e dos ombros. Brutamontes achou ser hora de fazer a coisa para agradar a mulher. O Sr. Jefferson terminou a caminhada matinal e estava na frente do prédio em que morava. Brutamontes apareceu e disse: “O senhor vai agora na minha casa recolher cocô de seu cachorro”. O velho argumentou que recolheu e botou no lixo da calçada do vizinho. Brutamontes disse que tinha dejetos fecais caninos na grama. E não quis conversa: arrastou o Sr. Jefferson até a sua casa, mostrou os dejetos fecais provavelmente de Pirata e Safado e perguntou o que era aquilo, quase empurrando o nariz do velho em direção da porcaria.

O Sr. Jefferson ficou revoltado, se desvenciliou de Brutamontes e foi até o lixo do vizinho pegar o saco de plástico do Mercadorama. Ele abriu, tirou o papel e enfiou o conteúdo no rosto de Brutamontes por pouco não o lambuzando. O velho perguntou tremendo de raiva: “O que é isto? É doce?”. Brutamontes usou seu diferencial e empurrou o Sr. Jefferson para o chão. Ele caiu de cara nos dejetos fecais de Pirata e Safado. O velho levantou nervoso, quase tendo um troço e jogou os dejetos fecais de Cafajeste no rosto de Brutamontes. O homem bufou, mas a coisa parou ali. Madre Madalena passou naquele momento e deu um berro: “Parem com isso!”. Ela olhou as caras lambuzadas dos dois e disse: “Meu Deus, que horror!”. Era mesmo. O velho foi embora humilhado e Brutamontes entrou em casa bufando que nem touro bravo. Acredito que a história não terminou. Mas não quero estar perto no próximo capítulo.