Um episódio curioso com Jorge Amado em São Paulo

Em agosto de 1988 eu passava pelo estande da editora Cultrix na Bienal do Livro de São Paulo, no Parque Ibirapuera, que à época era um evento cultural relevante, quando eu vi uma senhora que se parecia com a escritora Zélia Gattai, mulher do escritor Jorge Amado. Ela conversava com outra senhora que me pareceu simpática dama da sociedade paulistana. Eu olhei ao lado e vi um senhor com a expressão distante. Ele era a cara de Jorge Amado. Estava sentando numa cadeira, atrás de pequena mesa, como se os seus pensamentos estivessem em alguma duna de Ilhéus – se é que Ilhéus tem dunas.

As chances de aquele senhor ser o escritor baiano eram grandes. Só tinha uma coisa fora do eixo: os livros de Jorge na época eram publicados pela Editora Record e até onde soube não tinha nada com a Editora Cultrix. Eu resolvi arriscar. Eu me aproximei e perguntei: “Seu Jorge, se eu for ao estande da Record e comprar um livro seu, o senhor me autografa?” Acertei uma e errei outra. Era Jorge Amado e, portanto, a senhora que parecia a Zélia Gattai, era a própria. É agradável a sensação de a gente saber que ainda não ficou maluco – ou que, pelo menos, não estava sendo maluco por aquele motivo. O escritor fez cara de contrariedade.

Ele disse: “Não vai lá, não! Não faça isto, por favor!”. Está certo que Jorge Amado já era um escritor popular há muito. E que cada lançamento seu vendia em milheiros, dezenas de milheiros. Mas pedir para não comprar um livro seu já me pareceu coisa estranha. Ninguém atira contra o patrimônio. Então, na sequência, ele me explicou: “Eu estou aqui para promover o livro de um amigo meu, que é francês. O livro está sendo lançado pela Cultrix. O meu amigo me pediu para vir aqui e eu não pude negar. Ele é um grande ensaísta, doutor pela Sorbonne. Se você comprar, este livro eu autografo”.

Uma proposta curiosa. Mas irrecusável. Eu ia comprar o livro de um ensaísta francês autografado por um escritor baiano. Parecia enredo das histórias de Jorge Amado. Mas eu não ia ser deselegante, ainda mais com ele. Por isso eu disse: “Tudo bem, Seu Jorge”. Pedi o livro para a moça, era um livro de capa branca. Eu peguei e li o nome do autor: Jean Roche. Eu li o título e me deu vontade de rir da trama do escritor baiano. Com aquela calma e placidez, ele me levou no bico. O nome do livro era “Jorge bem/mal Amado”. Um ensaio do escritor francês sobre o seu amigo baiano. Que era Jorge Amado.

Eu comprei um exemplar para mim e outro para o jornalista Silvio Oricoli que era editor do Caderno 2 da Folha de Londrina e responsável por minha viagem à Bienal do Livro de 1988. O meu livro ainda tenho com a dedicatória: “Para Edilson Pereira, um abraço. Jorge Amado”. Eu me lembrei da história porque há poucos dias aconteceram dois episódios relacionados ao escritor baiano. Anteontem o jornalista e escritor Roberto Amado abriu uma página dedicada a seu tio no Facebook. Eu e Roberto fomos colegas de turma no curso de jornalismo da Cásper Líbero, em São Paulo, em 1980. E quando vi a foto de seu tio eu me lembrei de 1988.

E recordei outra história recente. Há alguns dias fui a um sebo perto do jornal e encontrei uma edição de “Dona Flor e seus Dois maridos”. Não era uma qualquer. Era a primeira. E havia algo escrito na folha de rosto. Eu julguei que fosse dedicatória da pessoa que comprou para quem ela presenteou. Houve um tempo que as pessoas davam livros de presente. Chegando em casa e cotejando a assinatura do livro que Jorge Amado me autografou em 1988 com a do livro que comprei há poucos dias, constatei que eram as mesmas. Ou seja, comprei uma primeira edição autografada de um livro com forte simbologia na obra do escritor baiano, por um preço módico. Fiquei contente. Por essas e outras não me arrependo de um hábito que tenho, desde os anos que morei em São Paulo e que cultivo ainda hoje: entrar em sebos – que hoje em dia também vendem livros novos. Sempre há uma chance de uma surpresa agradável. Neste caso fechou o ciclo do encontro com Jorge Amado em 1988.