Curitiba nestas manhãs frias e chuvosas de abril demanda cuidados. Por exemplo, se a pessoa tem cão no apartamento, assim que a chuva dá uma paradinha, tem que sair com o animal porque se ela voltar nunca se sabe quando vai parar outra vez. E as pessoas precisam trabalhar e o cão também precisa fazer as suas necessidades e dar o seu passeio. Por isso sai ontem por volta das 7 horas e quando cheguei em casa um pouco antes das 8 horas o telefone tocou. Era Nancy. Querendo saber como eu e os meninos estavam. Meninos no caso dois rapazes com mais de 25 anos cada um. “Bem”, foi minha resposta lacônica, porque temia por trás da pergunta ter outra mais preocupante.

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Mas não. Nancy contou que um homem de 32 anos, dono de um restaurante em que a gente sempre frequentava no litoral morreu. “Ele era forte, boa pessoa, alegre, gentil, bom pai de família e morreu”, disse ela. Eu me recordei do homem. Era realmente tudo aquilo que Nancy disse. Ela contou que ele foi jogar futebol, ficou na barreira na cobrança de uma falta, o sujeito chutou forte, a bola bateu na barriga dele e ele desabou como se em vez de bola tivesse interrompido a trajetória de um cometa. “Levaram para o hospital aqui e disseram que era coisa séria. Levaram para Paranaguá e nada. Levaram para Curitiba e descobriram que ele tinha um tumor maligno que não se manifestou todo este tempo. Mas ele já estava em metástase. Pode uma coisa desta?”, perguntou.

Nancy foi professora da filha do sujeito. “Boa menina”, disse. E chorou ao telefone. Antes de desligar ela perguntou se eu tinha feito exames de tudo que era coisa. Eu disse que sim para não ficar discutindo logo de manhã. Ela pediu para eu tomar cuidado e eu disse que ia tomar cuidado. Desliguei o telefone. Cheguei ao ponto de ônibus e encontrei um sujeito desolado. O cara parecia ter perdido um parente com uma bolada na testa. Eu fiquei quieto. Mas ele puxou conversa: “Estou mal”, disse. Eu perguntei o motivo porque ele não contou para eu perguntar. Ele disse que era corintiano. Que seu time foi eliminado domingo pelo Palmeiras e na noite de anteontem perdeu para o São Paulo. O homem me olhou lacrimoso: “Isto e uma tragédia”, disse.

Balancei a cabeça como estivesse preocupado. Não iria dizer para ele que era palmeirense porque nos tornaríamos inimigos mortais ali mesmo no ponto de ônibus. Eu poderia até dizer que vi o jogo e torci para o time dele ganhar, para eliminar o time do Morumbi que parece desejar a morte física do meu time enquanto os corintianos querem apenas ganhar de nós. Mas fiquei quieto. Quando cheguei à redação, a Magaléa veio me dizer se eu já tinha notado que mais uma mulher morreu assassinada em seu quarto. Eu disse que já tinha percebido. Ela comentou preocupada: “São três casos em menos de um mês. Todas mortas nuas. Que coisa terrível”, disse. Sim. Eu achei aquilo terrível. Eu fiquei cogitando se não se tratava de um serial killer. Mas provavelmente não era. Eu mesmo escrevi que mulheres que fazem programas de vez em quando uma morre solitariamente num quarto de hotel.

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Magaléa observou que estranhamente elas tinham a mesma atividade – eram prostitutas -, tinham a mesma faixa etária – por volta de quarenta anos -, e estavam na mesma cidade – Curitiba. E levavam uma vida de alta rotatividade. Eu fiquei de pensar no assunto e fui para o meu lugar. Era hora de escrever a coluna. Então ouvi Honorato conversar com Lorena. Ele perguntou: “O que realmente tira você do sério nesta cidade?”. Lorena com seus gestos finos e elegância que a deixam charmosa respondeu: “Eu não gosto de coisas fora do lugar. Por exemplo, eu fico realmente muito abalada se for a um restaurante italiano e me servirem sushi. Ou, pior ainda, se for a um restaurante japonês e me oferecem pizza”.   Honorato concordou. Eu fiquei olhando os dois e pensando com meus botões se eles sabiam que três mulheres foram assassinadas em seus quartos e a polícia não sabe ainda quem foi. Ou se sabiam que o dono daquele restaurante em que eu costumava ir no litoral foi morto porque depois de levar uma bolada na barriga, descobriu que tinha câncer em estágio avançado.