Todos são culpados. Todos são insensíveis

Mais uma greve de ônibus em Curitiba. Ninguém é culpado. Mas ninguém bota a cara na janela. Todo mundo emite nota para dizer que é inocente. A Tribuna avisou: “Governador, prefeito e empresários: nós pagamos á vista. Já vocês…”. Nesta hora todo mundo é surdo. Ontem a cidade praticamente parou. Manchete da Tribuna: “Sobrou pra nós!”. Olhei para o lugar da casa onde devia estar a bicicleta, não estava. Meu filho levantou cedo e pegou para ir trabalhar. Eu tinha duas alternativas: táxi ou acreditar que ia pegar uma van na Mateus Leme. Claro que antes de ir para o ponto de ônibus numa manobra suicida para pegar uma van ou esperar que um táxi aparecesse, eu tentei o telefone, onde fiquei quase uma hora esperando ser atendido e não fui. Estava sempre ocupado.

A velha lei da oferta e da procura estava ficando pirada. O número de táxi na cidade não dá conta da demanda em dias de greve. É chamada de tudo que é lado. A minha esperança era pegar van, mas vã esperança a minha. Quando passava não parava. Passava taxi, um, dois, dez, quinze. Fiquei com câimbra no braço. Depois do vigésimo táxi, eu meio desanimado estiquei a mão tive a sorte de conseguir um táxi na frente do Mercadorama. O cara parou. Estava vazio. Não acreditei. O motorista Calixto Cardeal disse: “Estou com sorte!”. Eu não entendi. Quem estava com sorte era eu. Ele explicou que o ponto dele fica nas proximidades do Hospital de Clínicas e por ali sempre tem serviço. A sorte, no caso, foi que ele levou um sujeito do hospital até o Bom Retiro, na divisa com o Pilarzinho.

O paciente era um ex-taxista, e aconselhou: “Vai pela Mateus Leme, que você vai encontrar alguém querendo táxi”. Não deu outra, entrou na Mateus, cem metros adiante, estava eu lá esperando pelo táxi salvador. Em dia de greve de ônibus é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que você achar um táxi livre em Curitiba. Curioso como vivemos um tempo de individualismo: dezenas, centenas, milhares de carros. Como eu estava parado sob o sol inclemente eu pude me dedicar a este esporte masoquista de contar quantos carros passavam com mais de uma pessoa. A maioria esmagadora tinha apenas um solitário condutor, apressado e que não tinha o menor interesse em demonstrar solidariedade com ninguém. Faz parte do campeonato. Se fosse diferente, o país também seria diferente.

Calixto Cardeal disse que não ganha mais em dia de greve de ônibus porque o seu ponto é bom e não depende destes eventos sazonais como uma greve. Na realidade, ele fica preocupado por uma razão de ordem prática: “Quando tem greve, muita gente que deixa o carro na garagem e não tem o hábito de andar na rua todos os dias, pega o seu carro e acaba fazendo lambança. Não é todo mundo. Mas o risco aumenta muito”. Ele foi falando coisas que eu pensei, já falei, parecem óbvias, mas não para os homens públicos do Brasil. O nosso sistema de transporte coletivo é uma coisa absurda. E o sistema de Curitiba que já foi revolucionário parece entrar num processo de sucateamento crônico. Nos últimos anos não se introduziu mudança relevante destinada a aliviar a crescente demanda.

A realidade é que há anos governo e prefeitura deixam o povão na mão. Eles só se lembram de povo nas eleições. E só tentam falar com o povo através daquelas gravações em épocas de eleição. Parece que nós em vez de evoluirmos, estamos regredindo. E não é de hoje. Comecei a ter esta impressão quando começaram a sucatear o Parque São Lourenço, primeiro tirando o atelier de gravura, depois não repondo as velhas árvores que eram cortadas, depois deixando ao relento o Teatro Cleon Jacques e assim por diante.

Agora é o transporte coletivo que entra em pane, ninguém se entende e quem paga o pato é o cidadão. Estes caras que estão aí são ruins de serviço. Não sabem fazer a música que alegra a cidade. Ao contrário, são insensíveis e acham que irritando o cidadão vão coletar dividendos eleitorais, porque a culpa vai recair sobr,e um ou outro. Todos são culpados. Todos são insensíveis. Eles foram eleitos para produzir soluções e não problemas.