O porteiro ligou dizendo que Vitor Bandini estava lá embaixo e queria falar comigo. Eu disse para ele avisar Bandini que ia descer, mas ia demorar alguns minutos, porque estava conversando com o Miguel. Em vez de entrar e sentar num dos dois sofás azuis da recepção, Bandini preferiu ficar em pé, de costas para a escada e olhando as duas portas de vidro. Eu demorei um pouco para descer e quando desci, o porteiro olhava para o alto da escada com cara desconfiada. Bandini estava de frente para as portas e ria. Balançava a cabeça e ria. O porteiro me olhou desconfiado mais uma vez como esperasse que eu dissesse que Bandini era maluco.

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No entanto, eu não disse. Passei a catraca e perguntei: “Tudo bem, Bandini?”. Ele não respondeu e continuou rindo. Nós saímos para a calçada. “Vamos tomar um café na Galeria Suissa”, sugeri já atravessando a rua. Bandini passou a mão direita sobre os olhos e depois a boca, como se o gesto devolvesse a seriedade perdida na entrada do jornal. Ele virou a cabeça para a entrada do jornal, algumas moças passavam diante das portas de vidro e ele voltou a rir. Ele disse: “Que experiência que passei agora”. Eu quis saber qual era a experiência. Bandini disse: “Todo mundo que passava na calçada me olhava”. Achei estranho porque as duas portas de vidro são espelhadas e ninguém vê quem está no lado de dentro. Ele disse: “Isto mesmo”.

Já instalados num bar da Galeria Suissa, Bandini me contou que ficou olhando as pessoas na calçada. Quem está no lado de dentro vê as pessoas do lado de fora. Mas quem está no lado de fora não vê as pessoas no lado de dentro porque o vidro é espelhado e para elas funciona como estivessem diante de um espelho. “Não era todo mundo, mas grande número de pessoas passava e olhava para a porta como fosse um espelho. Sem parar de andar, olhava, se arrumava, conferia o corpo, passava a mão no cabelo, todas olhavam na minha direção. Passou uma mulher de calça branca com um corpo sensacional e deu conferida nas próprias ancas e se sentiu satisfeita. Eu também”. Depois de contar, ele me perguntou: “O que você acha disso?”. Eu respondi: “Acho que você está ficando maluco”. E mudamos de assunto.

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