Era um velho muito velho. Quando o porteiro disse que era um velho, eu pensei num velho bem velho, mas aquele era ainda mais velho do que o velho em que eu pensei. Wagner sentado no sofá disse: “Te cuida, rapaz!”. Era uma saudação. Eu desci para ver o velho porque o porteiro disse que ele foi amigo do Sr. Raphael Munhoz da Rocha. Para quem não sabe quem foi informo: o Sr. Raphael era irmão mais novo do ex-governador Bento Munhoz da Rocha Neto. Bento era filho do primeiro casamento do pai dele e o Sr. Raphael era filho do segundo casamento. O Sr. Raphael foi grande amigo de todos que o conheceram. Gente fina e de categoria. Que Deus o tenha na grande pradaria do universo na qual todos seremos pontos de luz.

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Por isso eu desci para ver o velhinho que disse ter sido amigo do Sr. Raphael. Além de irmão mais novo do Bento Munhoz da Rocha Neto, o Sr. Raphael foi repórter de turfe. Ele foi o último repórter de turfe do Brasil. Esse era fera. Tinha jeito especial de escrever, de informar o favorito, porque deu zebra, estas coisas. Sabia tudo de cavalo e de jóquei. Eu gostava de conversar com ele porque era atenciosio, elegante, bacana e gentil. Eu não poderia fazer desfeita com um cara que foi seu amigo. Eu desci e pedi para o velhinho passar pela catraca e sentar no sofá na entrada do jornal porque achei que se ele ficasse em pé ali muito tempo seria um martírio. Ele entrou, sentou e disse: “Eu vim para te contar uma história”.

Não era a primeira vez que isto acontecia. Em certa ocasião veio um senhor simpático de Porto Amazonas para contar uma história, mas na hora de contar a história empacou e não saiu. Com o velhinho a coisa fluiu. Depois de dizer que o seu nome era Lyzimaco e que estava com 86 anos, ele disse que o assunto era cavalo e aposta. Eu ainda estava impressionado com o esforço que ele fez para vir até a redação. Mas o danado parecia ler meus pensamentos porque disse que morava perto da Praça Zacarias e que toda manhã fazia caminhada por orientação médica. Ele apenas mudou o itinerário. Eu disse tudo bem. Bem, a história que o Sr. Lyzimaco contou é a seguinte: ele frequentou o Jóquei Clube do Paraná por muitos anos. Era apostador. “Mas nunca ganhei nada”, completou.

No entanto, havia na frente do prédio em que ele morava um engraxate – era este o nome antigo de lustradores de calçados. “O nome dele era Maneco. Maneco sempre me pedia para levá-lo ao Jóquei Clube. Eu não levava porque como todo mundo sabe, é lugar de gente chique e não de engraxate”, disse o velho. Mas um dia, de tanto ser aporrinhado, o Sr. Lyzimaco colocou Maneco no Chevrolet cupê quatro portas de cor negra e foi para o Jóquei Clube. Chegando lá, Maneco quis apostar sem saber o que ia acontecer na pista. “Eu, naturalmente, apostei no favorito e peguei azarão confiável como segunda opção”, disse o velhinho. “Maneco pegou Bandido com o número 4 porque gostou do nome do cavalo. Bandido não era nem azarão. Estava ali para completar o páreo 4”, disse.

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“Bandido era tão desconsiderado no páreo que quando foi dada a largada a casa pagava 30 por 1. Os favoritos saíram na frente e Bandido acompanhou. Na reta final não sei o que aconteceu com aquele pangaré, Bandido disparou e ganhou por uma cabeça. Por uma cabeça, como no tango de Gardel, que no caso perdeu por uma cabeça. Pode uma coisa desta?”, perguntou o Sr. Lyzimaco. Ele estava emocionado. Eu não entendo bem de corrida de cavalos, mas pela expressão do velhinho aquilo foi espetacular. “O filho da mãe do Maneco voltou para casa com uma bolada no bolso e um grande sorriso na cara e eu voltei com cara de palerma conduzindo o ganhador do dia. Nunca me senti um otário tão grande. Tem coisas que eu vou morrer e se voltar para este mundo eu ainda não vou entender”, terminou ele. Depois me encarou e disse: “Era a história que eu queria te contar. Veja aí como você vai escrever este negócio. Mas foi o que aconteceu aqui em Curitiba. O ano foi o de 1957, 58, 59, nem lembro mais”. Depois o velhinho virou as costas e foi embora. Wagner que ouviu tudo aquilo em silêncio, depois que o velhinho fechou a porta de vidro, me olhou, piscou e disse: “Te cuida, rapaz!”. Era apenas uma saudação.