“Tarde de domingo no mercado o bicho pega!”

Entrei no mercado pensando em comprar uma garrafa de vinho. Duas adventistas me abordaram. Queriam doação de um quilo de alimento para os pobres. Não era a primeira vez que acontecia. Algumas eu doei e outras não. Mas eu não via razão para duvidar das adventistas, assim como acho os espíritas com tendência a fazer as coisas certas. Mas é a velha história, sempre aparecem uns tipos suspeitos pedindo doações em nome de entidade que ninguém nunca ouviu falar. O diacho é quando eu não doava nada ficava com drama de consciência. Agi ou não agi certo? Não sabia. Nunca saberei. A verdade é que a gente nunca sabe. Mas no caso dos adventistas não. Ninguém vai brincar de ser adventista na frente de um mercado. Não faz sentido.

Fui para o lado do arroz, feijão e óleo. Apareceu um sujeito com mulher jovem. Estava bem vestido, esportivo, digo, mas nervoso. Ele não gostou de ver o mercado cheio de gente. Mas nos fins de semana era sempre assim. O pessoal desce do ônibus para ir ao parque e antes passa no mercado para comprar refrigerante e salgadinhos para comer no parque, sentado na grama, olhando gansos, quero-quero e outros bichos que existem nos parques da cidade. Os jovens compram garrafa de vodca e duas de Coca-Cola e fazem o ponche chamado tubão. E todo mundo toma tubão na maior felicidade. Vendo-os felizes nos parques tomando tubão eu fico estarrecido como se contentam com tão pouco.

O sujeito com a mulher jovem disse depois que alguns garotos e garotas se afastaram com pacotes de salgadinhos, garrafas de refrigerante e de vodca. “Deve ser tudo gente que vive de Bolsa Família”. Eu olhei o sujeito: ele não era pobre, não era rico, mas não gostava de pobre. A mulher tentou conter a fúria do marido com sussurros e ele não reagiu bem: “Vai querer me dar lição de moral agora? Se você tem pena por que não casou com um deles?” Ela ficou ruborizada. Diria, envergonhada. Ela me olhou. Eu tentei fazer cara de quem pensava: “Fica fria, querida! Eu ouvi e não dei importância”. Mas a pobre garota não era telepata. Se fosse ficaria mais tranquila. Mas não ficou.

Mulher não gosta de marido grosso, mal educado e falando alto em qualquer lugar público. Se em casa é ruim, no mercado é pior. Eu me afastei para outro lado. Encontrei a Rafaela, funcionária nova do mercado. Corpo sinuoso, músculos rijos, olhos verdes. Eu disse para ela outro dia que ela tinha lindos olhos. Ela gostou e contou o segredo de seus lindos olhos: “Meus avós eram alemães!”. Depois do dia em que elogiei os seus olhos ela sempre me tratou bem. “Como vai Rafaela?”, perguntei. “Eu vou bem e o senhor?”, respondeu com uma pergunta. Eu disse que ia bem. Mas fiquei pensando porque tem pessoas que não conseguem responder uma pergunta de forma afirmativa. Tem que responder com uma pergunta.

Eu comprei uma garrafa de vinho, um quilo de arroz, um quilo de feijão e uma lata de óleo, os últimos três itens para os adventistas. Fiquei pensando: “Bem, fazendo isto eu demonstro que não sou mesquinho. E que da outra vez não dei nada porque desconfiei das intenções do pessoal que pedia”. A fila no caixa estava longa. Eu reencontrei o sujeito irritado com a mulher jovem. Ele me olhou: “O que é que você está me olhando?”. Eu não respondi e também comecei a ficar nervoso. O garoto do caixa estava estranho. Ele tinha os cabelos negros e fez reflexo: agora estava loiro parecendo um tenente alemão. Ele ria. Eu não sabia por que estava rindo. Ele disse: “O computador do caixa pifou”. Aquilo demorou.  A solução foi mudar para outro caixa. A mulher jovem passou na minha frente e o marido veio junto. Ele passou a compra. Eu disse para o caixa que ele estava demorando e o sujeito nervoso perguntou: “Que foi cara? Quem está demorando?”. Eu disse: “Estou falando com o caixa. Eu nem te conheço”. A mulher não aguentou e começou a chorar. Ele berrou: “Só falta essa! Você veio para chorar no mercado?”. E saiu nervoso, ela saiu chorando e o caixa louro, que parecia um oficial alemão, me olhou e disse: “Tarde de domingo no mercado o bicho pega!”. E sorriu de novo.