“Sofrer assim eu não desejo pra ninguém!”

Eu tenho uma amiga em San Francisco. Ela disse que vai acampar com a família num daqueles lugares bacanas da Costa Leste dos Estados Unidos e só vai voltar quando a Copa terminar. Mas eu não sei se ela vai conseguir ficar longe da televisão. Afinal, Copa do Mundo é de quatro em quatro anos. Agora, tem muita gente pensando como ela depois de ver o jogo do Brasil contra o Chile, sábado, de ver a prorrogação e de ver Hulk cobrar pênalti daquele jeito (defendido pelo goleiro chileno). Ela quase teve um troço. Ela e milhões de brasileiros. O marido a tirou de frente da televisão. Ela não viu Jara acertar a trave no último pênalti e o Brasil se classificar na bacia das almas e com as calças nas mãos.

Foi demais pro coração dela, coitada! Que durante a partida publicou no Facebook frases como: “O bicho vai pegar”, “Isso não vai acabar bem” e “Gente, a vaca foi pro brejo”. Quando o jogo terminou, ela decretou: “Não assisto mais futebol. Isto foi uma sessão de tortura”. Ela tem razão. Eu fiquei catatônico. Futebol é uma coisa e ver uma partida que vale classificação ou título desembocar numa cobrança de pênaltis é injusto. Parece absurdo que se jogue 90 minutos e mais 30 para a coisa terminar depois em parcos 10 minutos num período de tempo em que tudo pode acontecer. O diacho é que isto não é novidade.

Depois do jogo no Mineirão, quatro pessoas tiveram enfarte (e um morreu depois nos hospital) e outras 60 foram atendidas no estádio porque “estavam tendo um troço”. Se considerar que havia mais de 50 mil pessoas no local, até que foram poucas. Os números mostram que o Brasil está acabando com o coração do torcedor. Manduca, lembram de Manduca? Aquele que encontrei na Rua Monsenhor Celso e que disse que ia ver o jogo num apart-bordel porque a prostituta Cibalena manjava muito de futebol. Foi um sufoco encontrá-lo ontem. Eu fiquei no final da tarde para lá e para cá procurando o Manduca. Queria saber o que aconteceu com ele. Era começo de noite e não tinha mais esperança de encontrá-lo e resolvi ir embora.

Acabei encontrando-o no ponto do Barreirinha. Não sei o que fazia por aquele lado, parecia desnorteado. Ele me olhou assustado. Eu sai da fila e fui falar com ele: “Aconteceu alguma coisa, Manduca?”. Ele disse: “Eu não assisto mais futebol com a Cibalena”. Eu quis saber a razão. Ele disse: “Não deu sorte. Eu quase morri do coração. E ela teve um troço. Foi um sufoco achar vaga pra ela no hospital”. Manduca contou que se filmassem os dois no apart-bordel vendo o jogo ninguém acreditaria. Pareciam possuídos por um espírito maligno de porco: Manduca mordia as unhas como visse assombração. “Pior! Eu ficava toda hora chutando o ar, para ver se ajudava o Brasil. Sofrer assim eu não desejo pra ninguém”, disse ele.

Eu não entendi o negócio do chute e ele disse que era cacoete. Parece que se chutasse a bola imaginária, ajudava o time a ir pra frente. Não entendi, mas compreendi. “A coitada da Cibalena, então, se tivesse feito dez programas não teria ficado tão estragada”, disse. “Ela tremia, pulava no sofá, fazia um barulhão e toda hora gritava: Eu vou ter um troço, não faz isso comigo não, ai Jesus do céu! Agora você me mata, eu vou morrer”. Berrava, gemia e chorava. Quando terminou a prorrogação, no meio da cobrança dos pênaltis, ela apagou. A porta estava fechada e quando Manduca abriu ninguém acreditou que toda fuzarca foi só por conta do jogo do Brasil. O bicho pegou mais uma vez no ambiente.

“As malucas do lado de fora pensaram que eu mandei bala na Cibalena. Nessa idade! Me cobraram caro, disseram que iam me denunciar por tentativa de homicídio e ainda me obrigaram a levar a Cibalena para o hospital, se não iam chamar a polícia. Saí do ambiente com fama de velho tarado. Pode? Tudo por causa do jogo do Brasil. Eu não vou mais lá! E não vou assistir mais os jogos do Brasil nesta Copa”, disse Manduca. Ele se afastou e acho que ele, como milhares de torcedores brasileiros, ainda está muito assustado com o futebol da Seleção. É de matar qualquer um.

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