Revirando velhas caixas em casa encontrei uma velha boneca que deve ter pertencido a minha filha quando criança. Acho que alguém me pediu para não jogar fora. Era uma boneca macia com vestido e touca xadrez. Deixei onde estava e quando fui para a sala eu me lembrei de meu tio Manoel, que era um sujeito que falava muito palavrão e quase sempre se dava mal, porque falava e não conferia o ambiente. As mulheres ouviam e não gostavam.

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Numa destas ocasiões ele se saiu bem ou pelo menos fez esforço e foi recompensado com um faz de conta que eu acredito. Estávamos na frente de casa esperando as mulheres para ir ao centro da cidade, quando passou uma mulher muito bonita e dona de um corpo escultural. Era uma Veronica Lake que caiu do céu. Um amigo de meu tio, o Heitor, que era meu padrinho, perguntou: “O que você diria de uma dona como esta, Manoel?”.

Animado com a formosura da curvilínea mulher que acabou de passar, meu tio sapecou: “Só posso dizer uma coisa, meu caro Heitor. Passe o ferro na boneca!”. Era uma expressão de conotação sexual. Justamente neste momento as mulheres, minhas tias, saíram de casa e ouviram o assanhado comentário. E censuraram meu tio: “Que pouca vergonha, Manoel. Falando bobagem na frente das crianças?”.

Meu tio trabalhava na fábrica da Estrela, indústria de brinquedos, em São Paulo, virou e quase imediatamente saiu da defensiva para o ataque com a seguinte história: “Não é o que vocês estão pensando!”. Minha tia perguntou: “Então o que foi o que você disse?”. Sem ficar vermelho, ele alegou, enquanto nós começávamos a andar, que os brinquedos, principalmente os mais sofisticados, estavam ficando muito caros e em alguns casos não compensava comprar um novo.

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Ele disse; “Um amigo meu chegou com uma boneca que estava novinha, apenas com o vestido amassado. Eu disse para ele que, naquele caso, bastava lavar a boneca e o vestido. Ele disse que o vestido ia ficar amassado. Então eu falei: não seja bobo, passe o ferro na boneca”. O ferro de passar roupa na época era manual e as donas de casa tinham que usar brasas em seu interior para mantê-lo aquecido.

As minhas tias não engoliram a explicação, mas também não tinham interesse em espichar a conversa, porque, em se tratando de meu tio Manoel, não ia adiantar. E por esta razão acabaram aceitando, mudaram de assunto e meu tio Manoel olhou para o Heitor e disse: “Ufa!”. 

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