A minha primeira Copa foi na copa da casa de minha avó. Copa consciente, sofrendo ao pé de um rádio RCA Victor sobre a cristaleira. Dando pancada na orelha do rádio – se é que rádio tem orelha – quando a transmissão chiada sumia. Eu tinha 14 anos de esperanças mil no meu Brasil varonil e tudo foi para o funil em três partidas. Foi o pior desempenho do Brasil numa Copa. Não passou da primeira fase, ganhou uma e perdeu duas. Pior que em 1934, na Itália, quando perdeu para a Espanha e voltou, porque em um jogo só tudo pode acontecer. A Copa na Inglaterra foi para esquecer.

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Isso não quer dizer que não ouvi também pelo rádio a Copa de 1962. Eu tinha dez anos, os adultos monopolizavam o rádio. Eu ainda não dava a importância exagerada que vim a dar ao futebol. De 1958, eu me lembro da música: “A Taça do Mundo é nossa, com o brasileiro, não há quem possa”. Com seis anos fiquei feliz de carona: se todo mundo estava, por que ia destoar? Mas me impressiono como eu e milhões de pessoas levamos o futebol a sério: sofro com o meu time, uma baba. Mas não tem sofrimento maior que pelo Brasil, pátria amada que às vezes apronta cada pataquada! E também não tem felicidade maior no futebol quando o Brasil ganha e arreganha.

Imagina que eu e milhares ficamos felizes em 1970 em plena ditadura? Coisa de maluco! Tudo por causa da conquista no México – mágica. Se a Copa de 1970 não foi a minha primeira, digo conscientemente, ela foi a primeira que eu vi – pela televisão. Que também foi a primeira televisão da família. Uma Telefunken majestosa instalada no centro da sala. A televisão tomou o lugar privilegiado que pertencia ao rádio. Tanto que quando eu nasci, o rádio em casa que estava na sala, foi para a copa. Depois foi para a cozinha. E depois foi para o lixo. Deixar de ser televizinho para ver os programas na minha própria casa representou um salto na autoestima da família.

Acho que foi ali que a gente desconfiou que era classe média. Na rabeira, mas estava na categoria: afinal, televisão era item logo abaixo de carro na hierarquia mitológica da classe média brasileira no começo dos anos 70. E nossa família tinha os dois, além de casa própria. De madeira, mas própria. A gente desconfiou que virou classe média. Mas isto não significava que a gente ia deixar de sofrer. Inclusive com a Seleção em 1974 no jogo contra a Holanda e em 1978, com o vexame do Peru – ou seria nosso, que não soube ganhar da Argentina? Não sei. O que sei é que sofremos.

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A primeira decepção dolorida com a Seleção foi em 1982. Aquela pegou nos países baixos. Eu fiquei em estado de choque. Não acreditei que uma seleção daquela estava fora da Copa. Outra decepção foi em 1986: a primeira Copa que eu vi fora de Maringá, em Londrina. Pior foi ver a Argentina levar o caneco com gol de mão – bem, para levar o caneco só podia ser mesmo com a mão. O primeiro título que vi fora de Maringá, foi também em Londrina, em 1994. A tensão da cobrança dos pênaltis foi fatal para mim: fiquei com dor de cabeça a noite inteira e ainda com medo de ter acidente vascular. Não consegui comemorar de tão tenso que fiquei. E perplexo. Nunca imaginei que uma Copa pudesse ser decidida nos pênaltis. E isto aconteceu pela primeira vez.  

A minha primeira decepção com o Brasil em Curitiba foi em 1998. Ronaldo que disse estar envergonhado com o Brasil pode ficar sabendo que naquela final o Brasil ficou muito envergonhado com ele. Que papelão! Maior do que paquerar travesti pela madrugada e sair dizendo que foi engano. Mas o importante é que quatro anos depois eu tive a primeira alegria com a Seleção morando em Curitiba. E agora vem a primeira vez que eu vou ver a Copa em meu próprio país. Eu acho bacana, apesar da vulgaridade política que tomou conta da organização do evento, como se corrupção neste país fosse novidade. Por tudo isto, eu acho legal a Copa. Eu espero que a gente não dê vexame: faça bonito fora de campo, porque dentro de campo o negócio é com os jogadores. A gente torce e se retorce como fosse a primeira vez.

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