Sem uma boa pistola o sujeito não sobrevive por aí

Houve época em que as cidades do interior tinham poucas faculdades e as mocinhas e também os rapazes vinham estudar na capital – este movimento acontecia no Paraná e nos demais estados. Boa parte voltava com diploma. E retornavam para as suas cidades de origem com status. Diplomados. E os que iam ser dentista, médicos ou advogados, voltavam doutores. Titulo que os colocavam no topo na escala social. A primeira coisa que o sujeito mandava fazer era placa para pendurar no escritório: Dr. Macanudo Macaxeira. Se o nome fosse feio, o título apagava. Os caras voltavam topetudos, os amigos com os quais jogavam bola eram relegados a um segundo plano. No entanto, como em tudo na vida, havia tropeços.

Havia casos, não muitos, de garotas que longe da família e dos rigores paternos se envolviam em relacionamentos afetivos e voltavam grávidas – e sem marido. Por ironia, as pessoas chamavam os rebentos de diploma. “Ela foi estudar e veja o diploma que trouxe para casa”, era o comentário maledicente de toda a gente. Eu fui amigo de dois “diplomas”. Gente boa, por sinal.  A conversa sobre diploma não é por acaso. J. Bressan estava faceiro ontem porque ganhou diploma. Finalmente diplomado! E pelo Exército Brasileiro. Ele mostrou o diploma acondicionado numa capa de cartolina. Diploma verdadeiro. De conclusão do curso Sobrevivência em Ambientes Hostis feito em quatro dias.

Um curso útil porque não tem ambiente mais hostil do que a sociedade brasileira, onde o que mais a gente encontra é hostilidade, principalmente na disputa por vagas, seja no mercado de trabalho, nas ruas para estacionar, por senhas para a fila nos bancos e até olhares agressivos por vaga livre na volta para casa, sentado no interior de um ônibus. Banco de ônibus vale ouro na hora do rush. O brasileiro está cada vez mais hostil e um curso para sobreviver num ambiente hostil não deixa de ter utilidade. Eu devolvi o diploma para J. Bressan eu pensei nos diplomas que tenho em casa.

O primeiro eu ganhei quando nem sabia andar ou falar. Só sabia chorar, coisa que sei até hoje, embora exercite raramente. Meu primeiro diploma foi de batizado. Achei outro de crismado e assim por diante. Ganhei diploma quando terminei o primário. Mas o diploma pelo qual dei o maior duro foi o do curso de Datilografia, porque este tinha valor no mercado de trabalho. A primeira coisa que o sujeito perguntava na hora de contratar alguém era se a gente sabia datilografia. Se a resposta era afirmativa ele queria ver o diploma. Depois ia para o principal teste para ser escriturário: bater 130 toques por minuto. E de preferência, sem erro. Quem fosse mais rápido, era mais cotado para a vaga.  

Alguns anos mais tarde eu foi diplomado no curso de Contabilista. Naquele tempo, o sujeito podia ser contador sem concluir o curso superior de Ciências Contábeis. Eu fiz o Colégio Comercial. Existiam escritórios de contabilidades por todas as partes. Aí, justamente quando comecei a conquistar os meus melhores diplomas, eles passaram a ter pouco valor. Tenho diploma do curso de Direito em pele de carneiro. Ninguém dá a menor bola. Fui até aprovado em exame da OAB. Em 1984. E, finalmente, ganhei o diploma – que veio com o nome insignificante de certificado -, de conclusão de curso de pós-graduação em História. Isto no começo dos anos 90. Estão todos numa caixa que de vez em quando eu dou uma olhada para ver se não pegaram mofo.

O Brasil não é mais um país que valoriza o diploma. Em parte isto não chega a ser uma coisa ruim. Mas o Brasil também não é um país que valoriza o mérito. E isto é péssimo. Porque com a decadência do diploma, outro elemento, que já existia, o substituiu como mecanismo fundamental de ascensão social – ou de conquista de emprego. O pistolão. Com a honrosa exceção dos concursos, alguns cada vez mais confusos, sem boa pistola o sujeito não sobrevive por aí. É igual no Velho Oeste. Pistolão é garantia de emprego na mão.