A Copa do Mundo tá nas ruas. E todo mundo gosta de ver as partidas nos locais de trabalho, nos bares ou em casa. Nos bares os sujeitos tomam cerveja com os olhos grudados no televisor, bebericando e dando opiniões. Passei por um bar no centro da cidade no começo da tarde de ontem, quando ouvi uma muvuca: o juiz colombiano Wilmar Roldan anulou gol legitimo do México na partida contra Camarões. Parei para ver e ouvir. Era o terceiro gol que ele anulava. E ainda no primeiro tempo. Desta vez pisou na bola. A televisão entregou o apitador. Futebol é bacana por isto, todo mundo é especialista, todo mundo sabe e todo mundo escala melhor que o técnico, que, como já disse Levir Culpi, é um burro. E se tem sucesso, é um burro com sorte.

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Todos começaram a falar ao mesmo tempo como fossem mexicanos. Uns diziam que a Copa está comprada para alguém ser campeão, outros diziam que escolheram os piores juízes para a competição e outros que os erros dos árbitros eram os principais destaques até aquele momento. Alguém se lembrou do japonês Yuichi Nishimura que viu pênalti contra o Brasil no jogo de quinta-feira, abertura da Copa, contra a Croácia. O mundo inteiro falou mal e os argentinos se esqueceram da Copa de 1978 e disseram que o Brasil começou roubando. Jorge Luís da Silva, companheiro de Redação e que foi árbitro profissional, quase pulou no meu cangote quando escrevi na noite de quinta-feira que o japonês roubou da Croácia.

“Não escreve uma besteira desta. Eu sou árbitro. Foi pênalti. Eu sei”, disse ele, esquecendo que pendurou o apito e que estava de verde-amarelo da cabeça aos pés. “O croata segurou o Fred. Se o Fred valorizou é outro problema. Mas a falta máxima aconteceu”, sentenciou Jorginho, de olho na tela do meu computador e quase segurando meu braço para não escrever que foi falha da arbitragem. Respeitei Jorginho e disse que alguns acharam que não foi pênalti e outros acharam que foi. Ele não gostou muito, mas aquele pênalti não desceu pela minha garganta. Eduardo, outro colega, disse: “Foi pênalti claro! Se fosse fora da área seria falta e ninguém reclamaria. Como foi na área deu todo este alvoroço”, disse com convicção e serenidade de especialista.

Eu fiquei pensando o que Nelson Rodrigues escreveria. Não sei. Mas desconfio de que ele escreveria que o futebol tem um componente de arte e Fred foi um artista ao simular uma falta grave. Por isso foi pênalti. Volto para a muvuca no bar. Aquele monte de opiniões. Um sujeito calmo e cara de quem sabia das coisas me olhou, apontou para a televisão e disse: “Esse pessoal apanha porque gosta”. Como não entendi ele explicou: “Deixa a arbitragem rolar e se aparece dúvida recorre aos instrumentos eletrônicos. Pronto! O que não pode é deixar dúvida. Se tem como esclarecer, esclarece e pronto”. Ele estava certo. Eu me lembrei de Jorginho e perguntei se ele era ou foi árbitro de futebol como o meu colega de redação. Ele disse que era ginecologista.

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Tudo bem. Eu pensei que talvez ele se apoiasse na experiência profissional para fazer a afirmação. Eu a princípio concordava. Que um árbitro de futebol teria mais elementos para decidir com a ajuda de aparelhos eletrônicos que mostram para o mundo inteiro que a decisão não foi justa. Ou seja, todo mundo sabe que o juiz errou, mas o juiz tenta justificar a decisão errada porque não teve elementos para decidir certo. O ginecologista achava que os instrumentos eletrônicos poriam fim a este problema. Eu disse: “Eu acho que o senhor tem razão”. E fui embora. Fui andando pela calçada e a cada passo que eu dava menos confiante eu ficava. Depois de uma quadra conclui: mesmo com a improvável adoção de tecnologia, a coisa não ficará tranquila. Por exemplo: se o juiz da partida contra a Croácia fosse o Jorginho, ele daria pênalti com tecnologia e tudo. E o mundo inteiro iria dizer que não foi. O problema continuaria. Futebol é muito complexo para que nunca deixe brecha para uma grande muvuca. Também, se fosse diferente perderia a graça.