Entrei no táxi de Antônio de Souza Pinto. Ele estava de olho roxo. Perguntei se estava bem, ele disse que não. Fiquei quieto. Ele perguntou se eu não ia perguntar sobre o olho roxo. Taxista se divide em duas categorias: os que gostam de falar e os que odeiam falar. Parece que há uma terceira categoria, um meio termo. Na realidade são os que pertencem a uma das duas categorias e fazem esforço sobre-humano para serem gentis falando pouco, tanto num caso como em outro. Pinto pertencia à categoria dos que gostam de falar. Então não adiantava fingir que não sabia e perguntei: “O que aconteceu no olho, amigo?”. Chamar alguém de amigo não ofende. Pinto respondeu: “Foi o Facebook”.

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Não entendi. E pensei: “As pragas tecnológicas contaminam. Parece epidemia!”. No ônibus todo mundo de fio conectado ao ouvido, ligado em outro universo, ouvindo música ou, pior, falando pelos cotovelos. Parece bando de loucos. E, depois do Facebook, gente o tempo todo como galinhas tecnológicas catando milho no celular, no ônibus, na rua, nas filas, no parque, em todos os lugares, mandando mensagens quase sempre sem urgência e publicando mensagens sem interesse. O Facebook faz parte disso tudo. Motorista do ônibus tem Facebook e avisa o cobrador que adicionou a gostosa do financeiro e curte tudo o que ela publica, para ver se rola um lance legal. Normalmente não rola nada. Mas o cara está lá na maior curtição.

Agora Pinto diz que o Facebook quebrou a sua cara. Como não queria fazer outra pergunta eu disse: “O Facebook anda violento”. Pinto contou que aquilo virou um poço de encrenca e está dando um tempo com o Facebook. Sujeito ressabiado com rede social, ele disse que “a pior coisa do Facebook é você chegar em casa, beber e entrar na rede para fazer comentários”. E acrescentou: “Amigo, não faça isto se não quer arrumar encrenca ou tragédia”. Concordei. Eu também já andei falando bobagem com quem não devia, surtei com uma dona que estava na maior alegria, curti posts de quem não conhecia e fiz gracinha com comentário de quem não sabia. E andei desconfiando que tinha gente de cara virada comigo. Mas com Pinto o negócio foi cruel.

Depois de trabalhar até meia-noite, Pinto chegou em casa e tomou todas. Em seguida, entrou na linha do tempo de Adalice e se engraçou com um selfie da loirinha num tubinho preto. Loirinha que sabia ser irmã de seu amigo Demerval. Na manhã seguinte ela contou tudo para o irmão, que nem fez cara feia e nem disse nada. Assim que chegou ao ponto e encontrou Pinto com aquela cara amassada de ressaca, simplesmente enfiou a mão na cara do Pinto. O olho ficou roxo. Para Pinto largar de ser besta e respeitar as irmãs dos outros. Inclusive no Facebook. Pinto tentou reagir, mas estava atordoado e não se lembrava do que disse para a irmã do amigo. Ele fez cara de quem não gostou e saiu de cena e foi pegar o iPhone para conferir o que escreveu.

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E quando viu as safadezas que escreveu, chamou Demerval num canto e disse: “Fui mal, cara. Tô morrendo de vergonha da Adalice. Fala para ela me perdoar. É que tomei umas a mais ontem, sabe, aí a gente perde a noção”. Demerval depois de baixar o braço no amigo estava calmo e aconselhou: “Se beber não dirija e muito menos entre no Facebook. Você ainda vai acabar levando um tiro”. Ali no carro, Pinto disse: “Agora eu estou assim, de olho roxo e longe do Face”. Eu fiquei quieto pensando que a chamada plataforma é coisa inteligente e barata. Converso com uma amiga de San Francisco, outra que está em Londres, tenho uma amiga que está em Paris e um colega no Japão. Tudo a custo zero. Não tem nada mais democrático. Mas o diacho que a maioria das pessoas escreve bobagens, posta tolices sobre política, sexo e religião. Como se o Facebook fosse mudar a cabeça de alguém. Depois de contar a sua história, Pinto fez o resto da viagem quieto, refletindo sobre como ia viver de agora em diante sem poder olhar o Face. Não vai ser fácil. Mas será melhor que levar um soco no olho. Que não é coisa bacana, embora seja um aviso importante.