Eu me encontrei com Osvaldo Marreco na Praça Tiradentes e fomos tomar café no Bar Catedral, lugar bacana atrás da catedral. Torcedor do Ferroviário ainda hoje, o septuagenário Marreco gosta de ler jornais e livros. Gosta tanto que lê o jornal de manhã e depois relê tudo de novo à tarde.

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Na conversa fiquei sabendo que ele era fissurado em cartas. Tem um monte em casa e sua angustia atual é saber que ao morrer aquilo vai para o lixo. “Com exceção dos envelopes, que sebos e colecionadores ainda compram por causa dos selos e carimbos, ninguém se interessa pelo resto”, disse consciente das tendências hodiernas.

Uma das coisas que Marreco lamenta com o advento da internet é o desaparecimento da literatura epistolar. Como todo fanático (ele ainda torce para o Ferroviário, que desapareceu no dia 29 de junho de 1971), Marreco me indagou sem medo de ser ridículo: “Imagine a avacalhação se São Paulo aparecesse hoje no mundo. Você acha que ele ia mandar e-mails para Gálatas, Efésios, Romanos e Coríntios?”. Nunca pensei nisso.

Marreco responde: “Claro que não. São Paulo sabe que mandar e-mail é tiro no pé. Centenas a milhares de pessoas mandam todos os dias, a caixa eletrônica fica entupida e os receptores deletam sem ler porque ninguém tem tempo de ler tudo aquilo”. Eu não havia pensado na impossibilidade de São Paulo usar o e-mail para enviar suas epístolas.

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Marreco ficou em silêncio. Quando ambiente ficou calmo ele tirou um livro e do livro tirou duas cartas. “Olha aqui”, disse me mostrando. “Querida Odete, como é profunda e tormentosa a saudade que eu sinto de você. Estou aflito por resolver meus negócios a fim de voltar depressa para o seu lado. Não podemos viver distantes, longe das horas que nos viram unidos”. E assim por diante.

Mostrou a segunda: “Querido Marreco! Mal acabo de ler a sua carta e venho responder, como prova de que as saudades que sinto são tão longas e cruciantes como as suas. Passo os meus dias inteiramente dentro de casa, longe de você. Não posso ouvir uma música no rádio sem derramar lágrimas de melancolia. Sou tola, não é? Mas isto é o amor”. Marreco guardou as duas cartas. Seu solhos marejavam. Ele perguntou: “Você acha que um e-mail tem esta carga de emoção, afeto e sinceridade?”. Ele tinha razão. Não tem. Mas a evolução é inexorável. Ou, como dizia um amigo, inoxidável. 

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