Rick flagrou Ingrid na cama levando à boca o charuto de Bob MacFlugg

Homens também choram. Rick chorou naquela madrugada quando, depois de fechar o bar em Copacabana, foi para casa, abriu a porta do quarto e encontrou em sua cama Robert McFlugg, o Rei da Salsicha, acendendo um enorme charuto. Bob não ficou perturbado, afinal era o Rei da Salsicha. E tampouco Ingrid. Ela estava nua por baixo do lençol branco que a cobria e também ao amante.

Ela pegou o charuto de Bob com uma sensualidade humilhante e levou-o à boca com certa graça, deu uma bela tragada e disse: “Não faça cenas, Rick! Afinal de contas você já não estava mais apreciando o material.” Rick nem tirou o chapéu. Também não disse nada. Simplesmente deu meia-volta e retornou para o Copacabana’s American Bar.

O bar era bacana. Ele ficava em Copacabana. Estava vazio àquela hora. Aliás, estava fechado. Rick teria à sua disposição todo o tempo e todo estoque de álcool para encher a cara. Ele bebeu até o dia raiar, bebeu na manhã seguinte e na noite do dia seguinte. Rick bebeu uma semana a fio, até não saber o próprio nome.

Quando decidiu parar de beber, o apartamento estava vazio. Ingrid tinha ido embora com Bob McFlugg, o Rei da Salsicha, que fumava charutos enormes. Então Rick voltou a ser o velho Rick rancoroso. De longe soube que Ingrid foi embora para Nova York com Bob McFlugg.

Em seguida ela trocou o Rei da Salsicha por um cara ainda mais endinheirado. Agora era rica. Ingrid comprou fazenda na Costa Rica. Rick não suportou saber tudo isso e tirou um lenço branco do bolso e assoou o nariz, um gesto que inventou para disfarçar a sua contrariedade.

Rick ficou sem saber o que fazer. E quando não sabia o que fazer, fazia cara de gangster assustado, mastigando cigarro no canto da boca. E, depois, resmungou com voz de timbre rouco e fanhoso, na direção de Tanaka, o pianista japonês que cantava sucessos alemães dos anos 20 e 30. “Eu acho melhor cair fora, Tanaka.”

Tanaka não gostou de ouvir aquilo porque havia arrumado uma mulata de amante e não estava a fim de ir embora de Copacabana. Mas não ia contrariar o patrão. Muito a contragosto ele perguntou: “Vamos para o Marrocos?”. Rick respondeu: “Vamos para a China! Shangai é um bom lugar para abrir um bar.”

Era o ano de 1948. Naquela madrugada, para afogar todas as lembranças que acumulou no Brasil, Rick bebeu enquanto Tanaka tocava música para o tempo passar. Rick bebeu até secar a garrafa, afogou as mágoas e quebrou o copo. No dia seguinte, pegou um navio e foi para a China. Abriu um bar em Shangai.

Como era romântico, achou que talvez Ingrid aparecesse em Shangai de branco para ser a Dama de Shangai. Afinal, ela apareceu em Copacabana, por que não apareceria em Shangai? Ele a imaginou de tailleur branco. Rick ia ser duro. Para ele ser duro era mole. Era puxar a aba do chapéu para a esquerda, botar cigarro no canto da boca, e mastigar algumas palavras, com voz fanhosa e rouca: “Baby, acho que nascemos um para o outro.”

Ela ia apertar a bolsa para disfarçar o nervosismo. Ia entender. Seria o recomeço de uma paixão. Ia largar o americano insosso e endinheirado na Costa Rica porque ia descobrir mais uma vez que felicidade não existe, o que existe são momentos felizes. Uma lágrima incolor ia escorrer pelo rosto rosado de Ingrid, até tocar o canto direito dos lábios rubros e carnudos.

Enquanto Rick pensava estas coisas, Tanaka que não era besta estava ficando assustado. “Sr. Rick, acho que as coisas estão ficando pretas aí fora. Os vermelhos estão vindo depois de uma longa marcha.” Rick olhou Tanaka. O que queria dizer com aquelas palavras enigmáticas? As coisas estavam ficando pretas por causa dos vermelhos no país dos amarelos? Aquele enigma não fazia o menor sentido.

Tanaka tentou avisar: “É o Mao, Sr. Rick!” Rick respondeu: “Eu sou do bem, Tanaka. Sempre fui.” Tanaka achou que Rick estava ficando maluco. Ingrid não aparecia. Rick esperava. Tanaka fugiu no trem das onze para Manchúria e conseguiu voltar para o Rio de Janeiro, onde reencontrou a mulata Raimunda.

Rick continuou esperando até uma noite a porta de seu bar abrir e entrar um sujeito de aproximadamente 50 anos, meio careca, sorridente e com uma estranha bata marrom. Ele disse: “Meu nome é Mao Tsé-Tung. A bosta do boi é mais útil que os dogmas.” Rick ca,lculou que era o novo pianista e respondeu: “O mundo sempre dará boas vindas aos amantes.” Ninguém sabe o que aconteceu depois deste breve e estranho dialogo. Mas depois disso ninguém mais ouviu falar em Rick Blaine a não ser nos filmes em preto e branco.