Rick era um cara bacana e abriu um bar americano em Copacabana

Rick não era vagabundo. Era aventureiro. Aventureiro é como pitanga, tem em todo lugar. Ele não tinha medo. Foi voluntário na guerra civil espanhola e bateu pernas em Paris. Quando os nazistas tomaram a cidade, foi para Tanger. Lá pegou barco para Lisboa, de onde pegou vapor para o Rio de Janeiro. Achou a cidade quente e subiu a serra para Petrópolis. Quando viu o lugar pensou: “Bom para abrir um bar.” Petrópolis tinha ar civilizado num país atrasado. E, de quebra, clima ameno. No fim de semana mulheres elegantes deixavam o Rio, para fugir do burburinho da capital federal. Era um espetáculo. Deu certo. A vida era calma e Rick pensou que nunca seria agitada por aquelas bandas. Toda confusão do mundo estava a milhares de quilômetros de Petrópolis no Pacífico, Europa e norte da África.

Então, em setembro daquele ano, apareceu uma dona de primeira chamada Ingrid e a calma de Rick evaporou como a fragrância do perfume que ela usava. Rick, escolado, se apaixonou. Espocou champanha gelada segurando a garrafa envolta numa fina toalha branca. Celebrou a paixão. Rick desandou a pensar bobagens. Pensou em casamento, filhos e coisas estranhas como linguiça frita e Ingrid fazendo arroz e feijão. No entanto, algo estourou no meio de tudo isto e Rick nunca soube o que foi. Acreditou que o tio da moça não achava boa a ideia vê-la casada com um quarentão dono de bar e cara de gangster americano.

Rick pensou em antecipar e fugir com a moça para Copacabana e de lá para São Paulo ou Nova York. O lugar pouco interessava. Levaria Tadao Tanaka, que era pianista e espírito sonoro dos bares de Rick. Abriria outro bar. Não havia lugar no mundo em que um novo bar com piano não fosse bem vindo. Tanaka conhecia Rick e estranhou a agitação: “Que foi Sr. Rick?”. “Vamos embora.” Antes de Tanaka perguntar mais alguma coisa, Rick disse: “E não me faça mais perguntas.” Ingrid topou fugir. Pediu para Rick esperar na estação.

Tanaka levou as malas. Chovia e Rick foi de chapéu e capa de chuva. Enquanto esperava, fumava sem parar. Rick olhou Tanaka e pensou que um japonês molhado fica mais estranho que um europeu molhado, assim como um inglês em trajes de banho fica mais ridículo que um italiano de farda. Eram pensamentos incoerentes, mas Rick sabia que vivia um tempo sem coerência. Ingrid não apareceu e o ônibus ia partir sem levar a dona. O motorista com cara de deboche olhou Rick e perguntou: “Não me diga que esperava a noiva. Rick?” Claro que ela deu o cano. Rick mastigou as palavras: “É a última vez que faço isso.”

O motorista riu riso debochado de escárnio que pegou fundo na alma de Rick. Foi como se o riso do motorista anunciasse ao mundo que Henrique de Murcia Caballero Arteta Guzman y Sottomayor, também conhecido por Rick, fez papel de otário fumando cigarro no meio da chuva. Rick jogou o cigarro no chão, pisou com raiva sobre a ponta que se encharcou na calçada molhada. Entrou no ônibus e foi embora com Tanaka. Na viagem para o Rio, enquanto Tanaka roncava, pensou: “Nunca vou entender o que aconteceu.” Ele ficou desconfiado: “Será que ela era casada?” Ninguém sabia. Nem o sabiá sabia assobiar.

Dois anos depois, as coisas mudaram. Rick era dono do renomado Copacabana’s American Bar com Tanaka ao piano. O bar era o mundo. O mundo de Rick. E o resto do mundo passava por ele. Alemães, franceses, italianos. Ingleses, argentinos e canadenses. Chilenos e peruanos. A vida ficou supimpa. O cassino dava dinheiro. Estava tão bem, que Rick se preocupou. Tanaka viu o patrão preocupado e perguntou: “Que foi, Sr. Rick?” “Não sei. Quando tudo está bem, sempre acontece uma coisa para estragar.” Tanaka era sábio. Não ficava pensando besteiras, sabia que Hitler se ferrava na Alemanha e não ia invadir o Rio de Janeiro.

Enquanto isso, na América do Sul aparecia gente de tudo que era lugar. Os americanos eram aliados e o dólar caia solto no caixa do bar de Rick. Por tudo, Tanaka só tinha uma resposta: “Deixe de ser besta, Sr. Rick.” Rick pensou e achou que o japonês tinha razão. E foi para os fundos do bar conferir o movimento da noite. Nem bem deixou Tanaka sozinho, quando a divina apareceu no bar. Ela. Ingrid. A gostosa. A lindona. Exuberante. Diáfana, de branco: chapéu, vestido, sapatos, luva,s e bolsa brancos. Ela entrou, reconheceu a música que o japonês cantava. E reconheceu o pianista-cantor.

Foi lá e perguntou: “Cadê o Rick?” Tanaka mentiu: “Não sei não, dona Ingrid. Não me bote em confusão, pelo amor de Deus.” Ela não acreditou e pediu para ele tocar uma música, a dos velhos tempos, a música do bar de Rick, em Petropólis. Tanaka disse que não se lembrava dos velhos tempos, que não sabia onde ficava Petropólis e que não gostava de tocar músicas velhas, porque era um japonês moderno. Ela insistiu. “Toque uma pra mim, Tanaka.” O pianista se assustou: “Tocar o quê, dona?” “Toque Komm Zurück.

Ingrid disse a frase com tanta doçura, ternura e sensualidade que um brutamonte numa mesa ao lado se levantou, foi até o piano e disse: “Olha japonês metido a besta, eu não sei que raio de música é esta. Mas se você não tocar em um minuto o que a moça pediu, eu te arrebento a cara.” E foi assim que Tanaka foi convencido a tocar a música. O brutamonte voltou satisfeito ao seu lugar e quando Tanaka olhou para o fundo do bar, Rick vinha bufando feito touro furioso e nem reparou a moça ouvindo a música: “Não falei para não tocar nunca mais esta merda?”

O pianista afinou: “Foi a dona quem pediu, Sr. Rick.” E mostrou a moça de branco ao lado do patrão, fechou o piano e caiu fora. Rick constatou mais uma vez que o mundo não era perfeito. Ele balbuciou: “Porra, Ingrid! Com tanto boteco no mundo e você aparece logo no meu?” Ela estava com os olhos marejados. Ela disse: “Não me despreze, por favor! Eu vim para ser sua. Toda sua”. O cigarro caiu dos lábios de Rick. Ele conferiu aquele par de seios turgidos, aquele par de pernas rijas, aquela cara de anjo carente de amor e pensou: “Isso ainda vai dar merda!”. E mesmo assim o cara foi em frente.

Se quer ouvir “Komm Zurück”, a música que o Tanaka cantou, ela está no link abaixo: