Ser torcedor de futebol nos dias de hoje virou misto de esquizofrenia e sacanagem. Quem prestar atenção na conversa de dois torcedores vai pensar que ambos falam de pornografia. “Rapaz, então ele conseguiu sair da zona?”, pergunta um. O outro, velho torcedor com cara de quem tem filho incorrigivelmente mulherengo, responde aliviado: “Foi um sufoco sair de lá, mas ele saiu da zona”. E emenda na hora: “Mas eu não comemoro porque você sabe, bobeou ele volta pra zona de novo”. Aí chega um terceiro, ouve e diz desanimado: “O meu continua atolado na zona. E acho que vai ficar lá até o fim”. Fim do campeonato, claro. E zona do rebaixamento.

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Como o Cruzeiro é franco favorito a conquistar o título, o campeonato está para terminar, para os demais torcedores restou um estranho e sádico passatempo: saber quem sai e quem fica na zona. Nem nos tempos áureos da zona do meretrício, a zona foi tão temida. Ela foi a vilã da maioria dos times deste campeonato. Eu acho que uns 80 por cento dos clubes passaram pela zona ou estiveram as suas portas. E fizeram de tudo para sair de lá. Zona é o bicho: quando o time chega lá é como visse o capeta sem roupa de baixo. Assusta mesmo. Tem os que saem correndo e tem os que desanimam e vão ficando por lá, como velhas meretrizes, cansadas de guerra, sem bala na agulha, esperando a derradeira rodada.

Enquanto isso vão levando cacete pelo caminho. Os torcedores são os que mais sofrem, porque jogador muda de time, torcedor, não. Torcedor está sempre torcendo ou sofrendo por seu time. Nesta hora torcedor vira matemático. Outros profetas. Tem os bêbados de alegria. Que em seguida entram em depressão profunda. Parte da torcida do Palmeiras já dava o time como rebaixado. Foi conquistar alguns pontos e todo mundo deu o time como fora de perigo. Foi perder para o Atlético Mineiro sábado e está todo mundo com cara de quem passou a noite na zona. E os jogadores, novamente em pânico, sabem que se bobear não vão passar uma noite na zona. Vão ficar lá até o fim. Do campeonato.

Tenho um amigo filósofo esportivo. É o Dudu. Às vezes acerta, às vezes erra. E assim vai fazendo suas previsões, sem compromisso. A sorte dele é que tem memória fraca para os erros. Mas uma coisa eu reconheço: falou em zona, falou em Dudu. Ele manja de tudo que é tipo de zona. Inclusive, claro, a do rebaixamento. A teoria dele é esta: “Não importa ficar na zona muito tempo. O importante é não estar lá na última rodada”. Pensando bem, está certo. O diacho é que os times não conseguem respirar tranquilos porque a zona de rebaixamento tem uma lógica terrível: não importa quem esteja lá na última rodada, quatro clubes vão bater ponto o ano que vem na Segunda Divisão, porque quatro clubes estiveram no purgatório da Série B e estarão em dezembro com passaporte carimbado para a elite.

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E o duro é que cair não é só uma questão de humilhação. É perda de renda, perda de prestígio, perda de vergonha, perda de identidade, perde um monte de coisa. Sem contar que a Série B está cada vez mais carne de pescoço. Tanto que os dois melhores times da Série B deste ano até agora e com passaportes carimbados para a Série A são Joinville e Ponte Preta. Vasco da Gama, que já foi campeão do Brasil e do continente, está cambeteando mais que pinguiço na ladeira para permanecer no G4, que é a zona dos ricos. A zona dos que vão se dar bem. E como diz o Dudu, no G4 também não adianta fazer festa. Só vale mesmo ficar lá na última rodada. O Paraná Clube esteve tantas vezes nos últimos anos no G4. Só não agendou direito sua estadia, que nunca coincidiu em ficar lá na última rodada.

Tadinho do Tricolor, depois que caiu nunca mais subiu. O que justifica o pânico dos torcedores com a zona. Torcedores paranistas este ano consideram que ficam no lucro se o time escapar de cair para a Série C. Ou seja, estão de olho na zona da Série B. Porque a zona da Série B é das brabas. Enfim, não importa onde um clube esteja, sempre vai ter uma zona esperando por ele. E sempre vai ter torcedores querendo ver o seu clube longe de lá. Zona é zon,a. Na zona não tem refresco. Lá é soda.

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