Ataíde sugeriu que Arsênio queria fazer média com Ganimedes e disse que não acreditava na existência de velho tarado. Era um mito. Velho sem vergonha podia ser, mas tarado era uma impossibilidade anatômica. Arsênio contou a história do Sr. Antônio Parizzutti, que aos 75 anos se casou com a tia Magnólia, de 65 anos. “Os filhos do Sr. Antônio ficaram felizes porque não aguentavam mais perder empregadas. O velho, na ausência dos filhos, atacava uma por uma. Com argumentos, dinheiro ou encurralando-as no corredor. Era um perereco”. Todas reclamavam. A maioria ia embora e não voltava. O filho mandava o velho para a casa do irmão e a cena se repetia.

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Arsênio olhou Ataíde: “Minha tinha Magnólia com 65 anos fazia 42 anos que não dormia com homem. O velho foi lá, conferiu e ainda contou pra todo mundo”. O velho era fogo. Ataíde quis saber a reação da tia Magnólia. “Ela fez cara de freira safada, sabe como é? Quieta e feliz”, contou Arsênio. O testemunho deixou Ataíde ensimesmado. Ele olhou Hermógenes como quem pede socorro. Hermógenes abaixou os olhos, contemplou o copo vazio, pegou a garrafa de Original e esvaziou no copo. Ganimedes berrou, encarando Hermógenes: “Maranhão, traz outra Original, que de falsa chega a nossa felicidade”. Maranhão pegou a gelada e levou na mesa enquanto Hermógenes fazia círculos com o dedo indicador na toalha xadrez.

“Eu não devia dizer, porque é meu tio. Não é difamação e acho até que ele vai se sentir lisonjeado onde estiver. Mas meu tio que também se chamava Antônio foi um velho tarado, muito do sem vergonha”, disse. Hermógenes olhou no rosto de um por um e disse: “Meu tio Antônio não conheceu mulher até os 33 anos. Ele queria entrar para o seminário. Mas o padre pediu para ele conhecer mulher para ver se a vocação era forte. Meu tio foi na zona e nunca mais falou em seminário. Ele casou, teve monte de filhos e foi um terror. Ele virou um safado. Papou a sobrinha casada, a mulher do empregado, a comadre e não vou contar mais, porque acho desnecessário”.

Ataíde disse: “Tudo bem. Mas quando envelheceu como ficou?”. Hermógenes disse que metade das safadezas ele cometeu foi quando passou dos 60. “Aos 70, teve derrame. Ele ficou torto de um lado, mas o Bráulio funcionava. Ele arrumou amante e ela não aguentou dois meses. As empregadas não ficavam na chácara. Uma dona casou com ele e quase o matou quando pegou ele com a enteada. O homem era o cão. Para ter ideia, ele morreu em cima da segunda mulher porque a primeira não aguentou tanta pouca vergonha”, contou Hermógenes. “Quando a segunda mulher percebeu que o velho estava morto em cima dela e o Bráulio ainda estava quente, teve pegou falofobia na hora. Nunca mais suportou ver a coisa”, contou.

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Nem Ganimedes sabia o que era aquilo. Mas foi a cara de Ataíde que levou Hermógenes a esclarecer: “Falofobia é medo de piroca. Se a pessoa vê uma fica com taquicardia, paralisada, sente tremores e até desmaia”. Ataíde fez cara de pavor: “Credo! Eu não sabia que existia isso”. Existe e a segunda mulher do segundo Antônio pegou a coisa. Ganimedes ficou atônito. Não sabia que a conversa fosse tomar aquele rumo. Ataíde olhou-o e perguntou: “Como é que começou esta conversa doida?”. Ganimedes respondeu que o pai dele aos 80 anos disse: “Filho, você é meu amigo. Meu camarada. Eu tenho um pedido a fazer: estou perto do fim e antes de morrer eu quero que você me leve na zona. Eu não posso ir embora sem me despedir da boemia. Faça isso pro seu velho”. Ganimedes contou e chorou.

Arsênio não sabe se foi o pedido do velho, se foi o choro de Ganimedes ou se foi a cara de velório de Hermógenes, mas aquilo foi de cortar o coração e ele marejou os olhos. Ataíde não entendia tanta comoção e no fundo achava que os três estavam sensíveis demais com a categoria dos velhos safados. Mas como ninguém perguntou ele quis saber: “E você levou teu velho pai num bordel?”.

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Ganimedes limpou os olhos e disse: “Levei. Eu queria levar ele num puteiro de primeira, com meninas bonitinhas e novinhas. Mas o velho não qu,is. Ele achou que não ia se sentir bem. Quis ir num puteiro ordinário”. Os três camaradas olharam-no, mas sem coragem de perguntar o que aconteceu. Ataíde não ousou. Ganimedes deu longo suspiro: “O velho se divertiu pra valer com a putaiada. Nunca o vi tão feliz. Uma semana depois morreu. Minha mãe quando o viu no caixão com aquele sorriso maneiro disse que era o sorriso de um homem bom. Era o sorriso de um velho safado, isto sim. Sorriso de quem antes de morrer foi pra gandaia”.

Como ninguém falou nada, Hermógenes bateu nos ombros de Ganimedes e disse: “Belo gesto, camarada. Muito bonito. Um grande e belo gesto. Meus parabéns. Você fez teu velho feliz”. Depois daquilo os camaradas pediram mais uma Original e mudaram de assunto. Maranhão com o cotovelo fincado no balcão ficou de boca aberta com a história que acabou de ouvir.