Desde os primeiros artigos sobre a Copa do Mundo que tenho revelado dois sentimentos: um, de satisfação por ver o evento bem organizado, ao contrário das previsões catastróficas. Vamos ser prudentes e dizer, até agora, porque ainda faltam dois jogos. Outro, de apreensão com o futebol da Seleção. O time nacional passou a duras penas pela primeira fase, foi salvo nas oitavas-de-final pelo goleiro Júlio César e contra a Colômbia foi um perereco. Um time que dependia de um jogador, Neymar, que arrebentou e se arrebentou. E pegou uma Alemanha que atropelou Portugal. A derrota nas semifinais era previsível. Só não era previsível a humilhação. A goleada dói, mas ela tira um time da final mesma forma que o enganoso 1 a 0.

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 A humilhação, sob certo aspecto, pode ser considerada bônus do destino. Ela existe para os humilhados tomarem vergonha na cara e dar a volta por cima. Numa Copa em que Argélia mostrou honra, em que Chile lutou, em que Estados Unidos mostraram o seu futebol ascendente, em que quase todo mundo dentro de suas condições mostrou alguma coisa e só o selecionado brasileiro se arrastou em campo, é sinal de que algo muito ruim estava acontecendo. E esta coisa está relacionada com a estrutura arcaica e de caráter mafioso do futebol brasileiro. Que começa em sua organização cheia de vícios nos estados e nos clubes e termina em sua estrutura na entidade máxima, a CBF. A derrota humilhante para a Alemanha foi a ponta de um iceberg. Abaixo da superfície temos clubes numa draga, empresários gananciosos, garotos vendidos para o estrangeiro, estádios vazios e campeonatos de qualidade ruim.

Tudo isso drena o nosso futebol e cria condições favoráveis para o que aconteceu contra a Alemanha: o fracasso. A derrota mostrou que é hora de fazer uma revolução. Não apenas na Seleção, que é fácil. Mas em toda a estrutura tornando-a transparente, moderna e dentro do possível, independente de um bando de corruptos que a domina hoje, desde há muito. Se isto acontecer, temos que considerar que a humilhação foi proveitosa, que não foi em vão. Se isto não acontecer, corremos o risco de repeti-la outras vezes. Porque, para quem não tem vergonha na cara, não é problema ser humilhado outras vezes. Nas outras, será apenas mais uma. O que aconteceu em campo no Mineirão foi uma humilhação para o futebol brasileiro, para a Seleção e para a CBF. A torcida sentiu-se humilhada e a goleada foi vista com perplexidade pelo mundo afora.

A estrutura do futebol brasileiro é um corpo dominado por vírus, bactérias e vermes. Um corpo doente. O futebol nacional tem que se livrar dos invasores. Quanto ao Brasil, pode se considerar vitorioso, porque embora uma parte da sociedade apostasse de forma ostensiva, assustadora e nociva no fracasso da Copa, ela demonstrou ser um sucesso e que o país tem capacidade para sediar eventos deste porte. Jornalistas ingleses e americanos lembraram que a Olímpiada em Londres foi aberta com muitas praças esportivas ainda em fase de conclusão e com pequenos problemas. No geral, o caos anunciado de forma até irresponsável por parte da grande imprensa brasileira não ocorreu. O que ocorreu foi um evento reconhecido pelo mundo como bem organizado, torcedores bem recebidos e não assassinados e assaltados pelo povo brasileiro.

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Um evento que vai chegando ao fim – faltam dois jogos – depois da presença em nosso país de milhares, talvez milhões de turistas. Estádios anunciados inconclusos antes de 2030 foram entregues nos prazos, grandes estádios que de agora em diante terão de ser gerenciados de forma lucrativa para justificarem o investimento feito. Enfim, a sociedade produziu as condições nesta Copa para uma revolução que terá que ser feita se o Brasil quiser continuar sendo um país do futebol. O Brasil foi vencedor. A Seleção foi a grande derrotada. Mas ela faz parte do futebol brasileiro, cuja estrutura tem que passar por faxina e reconstrução.