Quem diria, realmente Marte é deserto açoitado sempre por fortes ventos

Na entrada da redação de O Estado do Paraná no bairro Mercês em Curitiba havia a reprodução da primeira página de uma edição do mês de julho de 1965. Mês em que foi inaugurada a Rodovia do Café. O jornal sempre trazia manchete de impacto. E o diretor de redação Mussa José Assis não economizou naquela edição. Ele tascou: “Marte é deserto açoitado sempre por fortes ventos”. Claro que ele não olhou para o céu com binóculo na direção de Marte e fez a descoberta impactante. Ele recebeu material de agência noticiosa e considerou a notícia relevante. Afinal, não era todo dia que chegava notícias frescas de Marte na redação. E aquela, além de fresca, era quente. Que Marte era deserto, sempre houve desconfiança por parte da gente aqui na Terra, especialmente após o advento dos potentes telescópios. Mas que o planeta era açoitado por fortes ventos era novidade.

Claro que sempre se procurou vida em Marte, não marcianos, mas alguma forma de vida, bacteriana que fosse. Mas e os ventos de onde vinham e para onde iam? E como alguém podia saber se lá não tinha árvores para a gente observar um indício visual do vento, como galhos se dobrando? A gente achava que era cascata, coisa de cientista maluco que a agência noticiosa reverberou. E toda vez que a gente entrava no jornal e lia a manchete, entrava na redação com cara irônica de quem sabia que Marte podia ser deserto, mas açoitado por fortes ventos já era exagero. O velho Mussa nem esquentou a cabeça. Mas o faro dele mais uma vez funcionou. Ou, como diria o Miguel, foi premonitório.

O pesquisador François Ayoub, da divisão de estudos planetários do Instituto de Tecnologia da Califórnia, informou dia destes que uma equipe conjunta americano-britânica mediu o deslocamento das ondulações de areia em uma dúzia de imagens feitas por satélite em uma área de 40 quilômetros na duna Nili Patera, ao longo de um ano marciano. E constatou “que as dunas de areia marciana estão migrando e que a velocidade de sua migração varia conforme a temporada”. Ou seja, isto não combina com a visão comum de paisagem marciana estática com ventos raros. Na realidade, Marte, como noticiou o Mussa lá nos anos 60 do milênio passado, realmente é açoitado por fortes ventos. “Os ventos em Marte podem ser fortes e atingir a velocidade de furacões (mais de 120 km/h)”, afirmou Ayoub. Agora, que aquilo é deserto, todo mundo sabe.