Quando a lama virou pedra e mandacaru secou

O coronel José Pereira de Lima era chefe político em Princesa Isabel, no interior da Paraíba. Ele era fazendeiro, comerciante, deputado e mandava no partido político em seu território. Pereira era corajoso e decidido, impunha a sua vontade: ninguém era candidato sem sua proteção, ele interferia na nomeação de juízes, promotores e delegados. Isto incluía também nomeação para cargos públicos – passava por suas mãos. Era um senhor feudal, nada era feito no território sem sua aprovação. Pereira ganhou prestígio político do governo por conta da resistência em suas terras aos jagunços de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião e, depois, contra os homens da Coluna Prestes. Nestes embates ele amealhou poder político e um pequeno arsenal que armava exército de 1.800 homens, alguns egressos do cangaço e outros desertores da polícia estadual e do exército.

Em 1927, foi eleito governador o Sr. João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque que tentou acabar com os senhores feudais do interior da Paraíba, porque eram verdadeiro poder no estado. Eles se rebelaram. No começo de 1930 estourou o episódio que ficou conhecido como “A Guerra de Princesa”, envolvendo forças estaduais e tropas dos coronéis do interior. Pereira era desaforado: mandou telegrama no dia 22 de fevereiro de 1930 para o governador dizendo que não obedecia as suas ordens e acabara de proclamar a independência de Princesa Isabel que passaria a se chamar República de Princesa, com direito a hino nacional, brasão, leis próprias e tudo que manda o figurino patriótico e revolucionário. A nova nação agregava municípios próximos.

O governador não gostou da rebeldia e mandou invadir o município de Teixeira, reduto de outro opositor, João Dantas, aliado de Pereira. Foram presos vários integrantes da família Dantas. O mesmo seria feito em Princesa, mas quando soube, Pereira chamou o seu exército, resistiu e reagiu. E convocou outros coronéis, alegando: “Não me engane porque a luta está amparada pelos próceres da política nacional”. Realmente, o governo federal discretamente incentivava a rebelião dos coronéis contra o governo estadual para enfraquecê-lo. Quando se esperava que o conflito fosse se alastrar pelo sertão, eis que às 17 horas do dia 26 de julho de 1930, na Confeitaria Glória, em Recife, o advogado João Duarte Dantas, numa mistura de motivos pessoais e políticos, por conta própria mudou toda a história do episódio.

Acontece que João Pessoa na tentativa de devassar e desmoralizar os oponentes mandou a polícia invadir escritório e residência do advogado na capital, onde apreendeu documentos divulgados pelo jornal A União. Entre articulações políticas foram encontradas anotações sobre as relações do advogado com a jovem Anayde Beiriz. O advogado ficou furioso, soube que o governador viajou para Recife e foi lá e o matou. Pereira percebeu que o motivo da guerra foi para o ralo e sua rebeldia teria preço. E teve. No dia 29 de outubro de 1930, a polícia estadual invadiu Princesa com 360 soldados comandados pelo Capitão Emerson Benjamim. Quem lutou ao lado do Coronel Pereira foi humilhado, torturado e preso sem direito a defesa – muitos foram mortos. A Guerra de Princesa deixou saldo de 600 mortos. O coronel foi anistiado em 1934, mas exilado. Foi residir na Fazenda Abóbora, em Serra Talhada, Pernambuco.

Esta história é real. Que a maioria dos brasileiros conhece vagamente porque mencionada em música de Luiz Gonzaga, na qual o Rei do Baião ressalta a coragem da mulher paraibana que lutou na resistência de Princesa: “Paraíba masculina, mulher macho, sim senhor”. A música faz menção ao Coronel Pereira: “Eita pau Pereira que em Princesa já roncou”. No entanto, o hábito de as cidades do interior do Brasil – e também muitas capitais – terem coronéis e clãs hereditários, como casta aristocrática, parece vivo na história brasileira. A diferença é que não há mais João Pessoa para acabar com a gandaia. Esta é uma história acontecida longe no tempo e no espaço – mas ainda muito perto de, nós.