Por trás do cego, se escondia um ladrão que roubava sambas

Houve um tempo em que samba não tinha dono. Todo mundo cantava e todo mundo ficava feliz. Mas aí veio a era do gramofone e samba começou a dar dinheiro. Dizem que o primeiro samba gravado, “Pelo telefone”, foi feito por Sinhô e apropriado por Donga que o registrou como seu em 1917. Depois desta, Sinhô, que tinha fama de ser farrista, também foi acusado de passar a mão em sambas alheios. Para se defender da fama de ladrão de sambas, ele criou a célebre frase: “Samba é que nem passarinho, é de quem pegar primeiro”. Heitor dos Prazeres, que depois virou pintor primitivo, foi outro que se queixou de ser surrupiado por Sinhô. De qualquer forma, roubando ou não, Sinhô virou expoente nos anos 20 e foi considerado O Rei do Samba. É o maior nome da primeira fase do gênero.

Mas criar samba virou um tormento. O sujeito tinha uma ideia, começava a batucar na mesa de bar e ficava cabreiro de continuar. Acontece que nos primeiros anos do século passado, passou a vigorar no Brasil os direitos autorais, para garantir os frutos financeiros da criação musical. O samba era de quem registrava primeiro. Se o sujeito ouvia no bar e corria para o escritório de registros autorais, virava dono do samba. O que deu muita confusão – e muita acusação. Conta-se que mesmo assim, mesmo cercando-se de todos os cuidados, muitos sambas – pelo menos parte deles – começavam numa cabeça e terminava na mão de outro compositor.

Teve a história de um sambista que só começava a batucar samba novo, quando não tinha ninguém no bar, além de um ceguinho que também tinha jeito de surdo porque não movia a cabeça com barulho algum. Aí o sujeito batucava e antes de terminar o samba, os seus versos já estavam registrados. Um dia ele interpelou o sujeito que registrou e o cara disse sem maior cerimônia: “Rapaz, eu achei uma verdadeira mina de ouro. É um ceguinho. Ele tem ideias muito boas. Eu dou uma grana pra ele e ele sempre me aparece com uns sambinhas bons”. Foi assim que o sambista descobriu que por trás do cego que não era surdo, se escondia um ladrão que roubava sambas. E para encerrar com Sinhô, com quem começou esta história, apesar do sucesso e da fama ele nunca ficou rico. E morreu de tuberculose aos 42 anos.