“Por que você não fuma cachimbo?”

Depois de comer duas empanadas argentinas na barraca do Edson, eu atravessei o mundaréu de gente e vim para a redação. Da Praça Tiradentes em diante tudo deserto. Fui pela Rua Monsenhor Celso e na esquina com a Rua XV um desconhecido me parou e perguntou: “O que vai dar hoje?”. Ele se referia ao jogo final da Copa. Eu respondi que achava a Alemanha favorita, porque julgava seu time superior. Só não imaginava a Argentina fazer um jogo tão bem feito, com chances de ganhar. Comentamos o papel feio da Seleção Brasileira. Foram três minutos de conversa e fui adiante pensando em como a gente encontra desconhecidos que conversam com a maior naturalidade.

Embora muitos não gostem, eu acho o hábito amistoso e civilizado. Na outra esquina, da Rua Marechal Deodoro, encontrei um sujeito que parecia me espreitar no lado oposto da rua. Eu também não o conhecia, mas ele sim, porque disse: “Eu leio a sua coluna”. É agradável ouvir isso. Ele queria falar algo importante. Eu parei para ouvir. Ele fez uma pergunta estranha: “Você tem alguma coisa contra o cachimbo?”. Eu disse que não. Ele indagou: “Por que nunca falou sobre o cachimbo?”. Boa pergunta. Ele tinha razão. Não me lembro de ter escrito algo sobre cachimbo. Eu também tinha uma boa pergunta: “Por que eu deveria escrever sobre o cachimbo?”. Ele respondeu que o cachimbo era um hábito civilizado num mundo cada vez mais bárbaro.

E foi falando e eu fui ouvindo. Ele defendeu o cachimbo como se eu fosse um deputado e ele lobista do cachimbo. Ele disse que o cachimbo era relaxante e ao contrário do cigarro, o usuário não precisava tragar o tempo todo. Além disso, o cachimbo era um ato reservado: “Você fuma cachimbo em casa ou, talvez, no trabalho. Nunca na rua. O cachimbo, entre os hábitos relacionados ao fumo, é o menos tóxico”, disse. E continuou: “Um bom fumador de cachimbo nunca acende o cachimbo com isqueiro, mas com palitos de fósforo, de preferência os longos”. Eu pensei em dizer a ele que conheço um quadro de René Magritte, um dos mais famosos do pintor belga, que se chama “C’est ne pas une pipe”. No entanto, achei que poderia parecer pedante ou presunçoso e para não ficar no papel de ouvinte passivo eu perguntei: “E qual é o seu fumo preferido?”.

Ele disse que tinha dois. Um de nome Saint Julian, que comprava em Londres. Eu perguntei se ele viajava muito para Londres. Ele disse que não, mas que tinha amigos endinheirados que sempre iam para lá e ele pedia para trazer um estoque de fumo para o seu cachimbo. “O Saint Julian tem o aroma de umburana. É suave. Eu gosto de fumo suave”, disse ele. Eu não me lembrava da umburana e depois procurei na internet. Fiquei sabendo que ela é uma árvore brasileira da família das fabáceas, sub-família Faboideae, conhecida popularmente como cumaru-do-ceará. Tem valor medicinal e está ameaçada de extinção. Fiquei sabendo o que era, mas o cheiro que era bom, eu não soube. A internet tem isso: nem cheira, nem fede.

Ele disse que o outro fumo de sua preferência era o Players Navy Cult, também, suave, mas que tinha característica distinta. “Este você tem que desfiar. O primeiro já vem desfiado, fofinho. Este vem numa plaquinha dentro da lata e você tem que cortar na mão. São estes dois que estou fumando atualmente”, disse. Depois de ouvir com atenção, eu prometi que ia pensar em escrever uma coluna sobre cachimbo e fumo para cachimbo. Ele perguntou: “Por que você não fuma cachimbo?”. Eu quis saber a razão. Ele disse: “Não sei. Mas acho que ficaria bem melhor em você. Você não é escritor?”. Eu disse que também era. “Então?”. Eu não entendi o que uma coisa tinha com outra. De qualquer forma eu me despedi e me afastei.

E fui embora pensando que quando jovem fumei cachimbo pela mesma razão que aquele homem apontou: achava que ficava bem em mim. Eu achava que ficava distinto. Eu fumava Irlandez e quando começou o contrabando do Paraguai, eu comprava Half and Half, um fumo americano. Eu gostava do aroma achocolatado que o fumo do cachimbo deixava na atmosfera. Mas era só.