Leonildo casou com Sofia sábado ao meio dia numa cerimônia religiosa. Na segunda-feira ele estava nervoso porque na sexta-feira depois de anos sem vê-la ele encontrou Valentina, a primeira namorada. Os dois conversaram por duas horas na Praça Tiradentes e falaram sobre os velhos tempos. Naquela noite ele dormiu pensando em Valentina. “Você vê que situação? Olha só o momento em que eu fui me encontrar com Valentina? Na véspera de meu segundo casamento”, me indagou emendando a resposta em seguida. O pior era que o namoro com Valentina terminou de um jeito que ficou a certeza de um ainda gostar do outro. E agora, casado pela segunda vez, Leonildo não sabia se gostava mesmo de Sofia ou se ainda tinha um pedaço de Valentina em seu coração. “Que situação!”, exclamou.

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Ele me repassou a história. “Foi no muro de minha casa que eu pedi Valentina em namoro”, recordou. Ele estava com dezessete; ela com treze anos. Era namoro de adolescentes. Eles se encontravam na escola, no fim de ano quando a família ia passar as férias em Guaratuba, iam à praia juntos, um na casa do outro e depois que as férias terminavam, se encontravam nos fins de semana. O namoro foi assim por um ano e meio até que acabou e os dois não sabem explicar o motivo. Uma coisa era certa: um ainda gostava do outro. Passaram-se mais um ano e meio. Neste tempo, Valentina namorou um sujeito de nome Piloto e Leonildo arrumou namorada chamada Doroteia. Os dois terminaram os seus namoros e involuntariamente certo dia, ouvindo uma música dos Beatles, “All you need is love”, Valentina confessou a Magali que ainda gostava de Leonildo.

Magali contou para Leonildo que se animou e passou diante da casa de Valentina com o Fusca tocando num volume que até surdo ouvia: “There’s nothing you can do that can’t be done”. Valentina correu ao portão para ver e ouvir o Fusca cor de creme passar. Era Leonildo. Ele acenou para ela do interior do carro. Foi questão de dias para voltarem a namorar. Ela agora com dezessete anos e ele com vinte e um. Eles namoraram três anos e meio. Ele ia buscá-la quase todos os dias na escola. No fim de semana ia a casa dela, namoravam no sofá, ela ia a casa dele e iam também ao cinema e à lanchonete. Naquele tempo ainda havia alguns cinemas na cidade e ir à lanchonete era programa comum aos namorados.

Na sexta-feira Valentina confessou e Leonildo tremeu nas bases: “Você foi o meu primeiro namorado. Foi o melhor de todos. Você era um fofo”. Ao final de duas horas de conversa, a chuva caiu e cada um foi para seu bairro, agora que moravam em lugares diferentes e faziam coisas diferentes. Ele foi para a Vista Alegre das Mercês e ela foi para o Boa Vista. Leonildo me contou: “Isto é coisa de se ouvir um dia antes de se casar?”. Eu não soube o que responder. Valentina estava com trinta e oito, era psicóloga, divorciada e não pensava em casar de novo. Quer dizer, não pensava. Não tinha filhos e continuava bonita. Leonildo não foi o seu primeiro homem. “Ainda bem”, confessou para uma amiga.

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Quando estava perto de acontecer, ela descobriu que Leonildo contraiu hepatite C, uma variedade contagiosa da doença. Este foi um motivo que levou o namoro ao fim. Outro foi que Leonildo, “para se aliviar”, se relacionou com outra moça e ela engravidou. Mais que isto, a família o intimou a “tomar decisão”. Ele casou com a moça para não levar cacete. Depois de três anos se separou. Ficou solteiro por longos anos até conhecer Sofia, quinze anos mais nova e com quem se casou sábado. Casou, mas já estava em dúvida. Não sabia se gostava dela ou de Valentina. No fundo do coração sabia que ainda gostava de Valentina. Mas não era só o fato de estar casado mais uma vez. A verdade era que o seu tempo com Valentina se foi. Tudo passou. O tempo passou, o mundo mudou, a vida correu. Apesar de tudo, apesar de ele agora estar com mais de quarenta anos, ele ainda gostava de Valentina. E desconfiava que ela ainda também gostava dele. Eu ouvi o drama em silêncio. Não podia fazer nada. No final da conversa ele me disse: “Por esta e outras que eu acho que o mundo não é perfeito”. Eu acho que ele tem razão.