Por aqui estão acontecendo muitas corrupções

Eu compro numa loja do centro onde sou bem atendido por Frank Sinatra. Eu não sei o nome verdadeiro dele. Este nome surgiu na primeira vez em que fui lá. Era o primeiro ou segundo dia dele no serviço e ele me perguntou com entusiasmo: “Como vai o senhor? Tudo bem?”. Eu respondi um tudo bem protocolar. E perguntei de volta como ele ia. Frank respondeu: “Eu sigo o meu caminho. Fazendo as coisas do meu jeito”. Eu disse: “Mas isto é Frank Sinatra!”. Um amigo dele riu e disse: “Está indo bem, hein Frank Sinatra!”. Eu pensei que o rapaz fosse encrespar, mas ele botou sorriso de felicidade no rosto e naquele momento virou Frank Sinatra.

Há algumas semanas estava com cabelo grande, caindo sobre o nariz e encobrindo os olhos. Ele cortou o cabelo e percebi que Frank não tem olhos azuis de seu homônimo norte-americano. São dois olhos miúdos e negros. A voz também não é grande coisa. Mas ele é esforçado. Eu percebi que no afã de evoluir na loja, ele procura caprichar no vernáculo. Não que use palavras difíceis, mas procura falar as palavras certas e não errar na composição das frases. Um esforço bacana. Ainda que a pessoa não veja perspectiva no curto prazo, é sempre melhor evoluir, porque no dia em que a ficha cair, ela vai cair melhor para o sujeito preparado.

Eu conto isso, porque ontem passei na loja em que Frank trabalha. E quando passei pelo caixa, outro caixa, eu vi o gerente falar nervoso com ele. A última frase foi: “Depois eu vou trazer aqui para você ter noção de como é, entendeu?”. Claro que gerente falando daquele jeito com um funcionário, só podia ser bronca. Eu fiquei penalizado. Depois de o gerente se afastar e Frank deixar o caixa para ver outro assunto, ele passou por mim e eu perguntei: “Aconteceu alguma coisa com você, Frank?”. Ele respondeu com seu jeito, procurando encaixar as frases certas nas horas certas e caprichando para não trocar o plural pelo singular – e vice-versa.

Ele estava sério. “Não foi bronca. O gerente está chateado porque por aqui estão acontecendo muitas corrupções”. O primeiro ímpeto foi rir da seriedade com que ele disse aquilo, preocupado com as corrupções internas da loja e também por colocar tudo isto no plural. As revistas semanais e os jornais sempre dizem: o Brasil tem muita corrupção, que há corrupção no governo federal, no governo estadual, nas empresas mistas e nas que não são mistas. Resumindo: há corrupção em todo lugar. Mas nunca ouvi falar em “muitas corrupções”. Ele contou que as “muitas corrupções” eram o jogo de faz-de-conta: um funcionário passava um produto de vinte reais, que era registrado e pago como valesse dois reais com a complacência do caixa que depois era beneficiado com a mesma tática quando outro estivesse ali e fosse a vez dele passar o produto.

O gerente descobriu a mutreta e ficou fera. Ele orientou que qualquer funcionário que fosse comprar um produto da loja, teria que chamar um superior imediato para ele autorizar – caso contrário, nada feito. O raciocínio de Frank certamente teria apoio do meu amigo anarquista Chuverão: a corrupção no Brasil chegou a um nível de desalento tão grande que é muita generosidade deixar a coisa no singular. Ela é plural, mesmo. A falta de decência no trato com o dinheiro alheio virou epidemia. O vírus se reproduz para todos os lados, vírus mutante e por esta razão, não é um só. Claro que os resultados são diferentes: alguns levam milhões, outros apenas uma barra de chocolate na loja em que trabalha. Mas o modus operandi é o mesmo – burlar.

E nem se pode dizer que é falta de educação, coisa e tal, porque o que já ouvi de histórias de diretores de escolas públicas que, vamos usar um eufemismo, são gestores equivocados dos recursos públicos, não está no gibi. Se eles fazem isto, os alunos não vão fazer diferente. E, assim, constrói-se uma cadeia cujo método é a trapaça. Os funcionários da loja que burlam o preço da barra de chocolate não farão diferente se um dia forem alçados a um cargo público – apenas vão levar mais vantagem.