Nas últimas duas décadas eu vi o Rio Belém de tudo quanto foi jeito. Eu vi vazio, com filete de água serpenteando entre as pedras secas e também vi cheio e violento, depois de chuvas torrenciais. Algumas vezes, poucas, ele ficou tão cheio que transbordou na margem direita. Em uma destas ocasiões a cheia foi tão violenta que arrastou um velho que foi morrer centenas de metros adiante. Já vi o Rio Belém com águas claras, já o vi com águas verde-escuras e também com águas sujas, cor de chocolate. Eu já vi e ainda vejo de vez em quando garças no Rio Belém. Aquele belo pássaro branco, pernalta e longilíneo. Já vi esquilos em suas margens. Mas nenhuma cena me impressiona mais que ver pescadores no Rio Belém.

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Primeiro porque o Belém é rio irregular e presumo que um rio necessite de volume meio fixo de água para abrigar uma população de peixes. Depois, as águas do Rio Belém são poluídas. Naturalmente que há possibilidade de o sujeito pegar peixes: os coitados que tentam respirar no lago do Parque São Lourenço e quando entram em pânico pulam, dão rabadas violentas nas águas, procurando um pouco de oxigênio na atmosfera ou quem sabe um lago em que possam viver decentemente numa perspectiva pisciana. Acredito que neste desespero, muitos acabam caindo na cachoeira da represa e sem saber encontram um caminho aquático ainda mais tortuoso e inóspito: o Rio Belém.

E, lá na frente, estão os humanos predadores de vara na mão. Esperando pelo milagre dos peixes do Rio Belém. Que é justamente aquele peixe perdido. Que é pescado ou muitas vezes pegado com as mãos. Eu já ouvi de falsos especialistas que aqueles peixes absorveram tanta porcaria e poluição, que sobreviveram de teimosos e por isso ao serem pescados ou pegados não são adequados para consumo humano. Embora quem me deu a informação seja um falso especialista, isto não quer dizer que ele esteja errado. O sujeito pode ser um falso especialista e estar certo, assim como ser um especialista gabaritado e reconhecido internacionalmente e estar errado. O que difere os dois é que um é especialista e outro não é. Eu acho que o falso especialista tem razão. Eu perguntei para um garoto que enfileirava numa cordinha três peixes o que ele ia fazer com aquilo e ele disse que ia comer. Eu disse que não podia e ele respondeu: “Capaz!!”.

Capaz, no caso, é uma interjeição de largo uso na periferia da cidade e que quer dizer muitas coisas. Entre elas algo como: “Você quer dizer que eu levantei às cinco horas da manhã para vir pescar aqui no rio, eu pego três peixes, estou feliz da vida e com fome e eu não posso chegar na minha casa e pedir para minha mãe assá-los? Você está de galeto pro meu lado”. Para não dizer tudo isto ele diz apenas: “Capaz!”. E dá um riso maroto. E não adianta argumentar com o garoto, nem se irritar com o piá. No entanto, é bom que se diga, que uma das coisas mais raras de se ver às margens do Rio Belém é pescador com peixes pescados ou pegados. A maioria vai ali mesmo para fazer coreografia com panca de quem está indo para o meio do Amazonas. A mulher leva os piás, ela aproveita e espicha uma toalha embaixo de uma árvore e diz pra piazada que o nome daquilo é piquenique. As crianças acreditam e ficam felizes.

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Passei centenas de vezes por estes pescadores, quase sempre de fim de semana. E apesar de não ser surpresa encontrá-los, pelo menos do ponto de vista racional, empírico vamos dizer assim, toda que vez que encontro, me surpreendo. Porque esperar encontrar peixes ali é coisa para otimista, mesmo os peixes fugitivos da poluída prisão aquática para peixes, que é o lago do São Lourenço. Digo otimista se o sujeito vai mesmo pensando em pegar peixes e não em dar um banho de água suja na minhoca. Que não precisa de banho porque já está morta. E não precisa de enterro, porque este ritual não faz sentido com minhocas. Se com animais de estimação já é meio exagero, imagine com uma minhoca! Por tudo isto é que eu acho que não faz sentido pescar no Rio Belém. A não ser que o s,ujeito seja um otimista radical. O diacho é que eles existem.