“Os urubus estão descrevendo círculos no céu vazio”

O professor Domingos de Morais aos 65 anos vai se mudar para o Canadá. Ele disse para Amarildo que não acredita mais no Brasil: “Os urubus estão descrevendo círculos no céu vazio”. Amarildo não entendeu e Morais explicou que a mentalidade dominante impede o avanço do país. O velho dono de uma indústria em quem Morais apostava as fichas de exemplo de novo empresário nacional moderno deixou-o frustrado. “Ele é um canalha”, disse. Amarildo quis saber o que aconteceu. E quando soube não viu canalhice naquilo que o Sr. Ferdinand Kurtz fez. E achou Morais um exagerado.

Morais admira o empreendedor americano. Ele acha que a economia americana se tornou a maior do mundo por conta da mentalidade de seus  capitalistas: “A maioria dos grandes americanos, quando enriquece, retribui para a sociedade. No Brasil, os empreendedores que não sugam nas tetas do Estado, nada retribuem para o coletivo. E os que sugam menos ainda. E, ainda por cima, dizem que o Estado tem que ficar fora da economia. Hipocrisia!”. Ele observou: “Claro que pode existir uma minoria que age diferente. Mas minoria é minoria e eu não sei onde ela se encontra”.

E começou a citar Henry Ford que deixou a Fundação Ford, John Hopkins que deixou universidade e hospital, John Taylor deixou o Metropolitan, Abby Rockefeller deixou o MoMa, Solomon Guggenheim deixou legado para Nova York, o Whitney Museu é outro exemplo, além de Paul Getty e parou ali para não lembrar outros e ficar mais deprimido. A moda agora é todo bilionário americano anunciar que vai deixar os filhos sem dinheiro, para começarem do quase zero, mas não vão deixar os bilhões que acumularam para eles. “Os bilhões vão ficar para a sociedade não só americana, como também para outras”, disse Morais.

Morais: “No Brasil algum bilionário faria isto?”. Amarildo não respondeu por que não entendia a razão de um bilionário ficar bilionário e deixar os filhos na miséria e ainda por cima distribuir o dinheiro para quem não o ajudou a enriquecer. Ele ia arrumar encrenca com Morais. Mas se ele fosse filho de bilionário ia ficar revoltado com isso. Morais não pensava assim: “Bill Gates tem bilhões e bilhões de dólares. Disse que vai deixar tiquinho para os filhos. Para ir ao Mac Donald de vez em quando. O resto vai para institutos de pesquisa e universidades. Por isso as universidades americanas são melhores”.

Morais estava alucinado com a diferença de mentalidade entre empresário americano e brasileiro. “O único empresário brasileiro que deixou alguma coisa relevante para a sociedade foi Assis Chateaubriand”, disse. Amarildo quis saber o que era e Morais disse que era o Masp. “Ainda assim, ele não enfiou a mão no bolso. Ele chantageou todo mundo. Mas está lá um patrimônio de bilhões e bilhões de dólares. Não fosse isso, nem teríamos”, disse. “Onde entra o Sr. Kurtz na história?”, indagou Amarildo. Morais disse que acreditou na conversa liberal do empresário. Ele trabalhou anos na empresa dele ajudando-o a modernizar práticas e também a mentalidade. Por fim conseguiu alguma coisa.

“Aí eu disse para o Sr. Kurtz, que ele estava no fim da vida e que devia fazer algo pela sociedade. Porque foi ela que propiciou a riqueza dele. Ele não precisava fazer mais nada na empresa que andava com as próprias pernas”, disse. O Sr. Kurtz gostou da ideia e falou que ia ajudar os necessitados: ele abriu um pequeno banco e passou a comprar créditos de pessoas em dificuldades. Pagava 80 por cento do valor à vista para receber 100 por cento no vencimento destes créditos. O Sr. Kurtz procurou Morais para dizer que estava ajudando os outros e ficando ainda mais rico. Morais ficou escandalizado: “O cara virou um grande agiota e acha que isto é ajudar os outros! Agora parece um urubu que não pode ver carniça”.

Era o fim da picada! E Morais vai para o Canadá. Amarildo achou bobagem. Se estivesse no lugar do Sr. Kurtz faria o mesmo. Ele achava que ninguém devia ajudar ninguém porque na natureza era cada um por si. Morais que era ingênuo.