Eu caminhava pela ciclovia de manhã com a minha cachorra Bela, uma cocker spaniel de pelo preto, como faço todos as manhãs. Com o calor deste começo de ano, quanto mais cedo levantar para o passeio matinal, melhor. Esta é uma época do ano em que o relógio é traiçoeiro: ele aponta uma coisa, mas na realidade é outra, por causa do horário de verão. Portanto, quanto mais cedo levantar, melhor e ainda assim há um batalhão de pessoas apressadas. A maioria de trabalhadores que vão para o batente de bicicletas, pessoas laboriosas e muitas outras que antes de irem para o trabalho, fazem caminhadas ou corridas, para que seus corações fiquem em ponto bala. Os médicos aconselham: não há nada mais saudável que uma caminhada matinal. Uns trinta minutos diários fazem uma diferença danada.

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Vez e outra aparecem uns maconheiros na ciclovia, deixando atrás deles um rastro de fumaça, como um avião da esquadrilha no Dia da Independência. Eu não entendo porque maconheiro gosta de ciclovia se eles não estão a fim de correr e não estão de bicicleta. Mais à frente encontrei um maconheiro que ria, destes que fumou até levitar. Os olhos parecendo dois faróis de milha. Ele me sorriu, sorriu para a cachorra e me cumprimentou. Aproveitei a deixa para perguntar, com civilidade: “Por que você gosta de fumar na ciclovia se não está correndo e nem anda de bicicleta?”. O cara me respondeu com aquela ironia – porque maconheiro é irônico, até involuntariamente: “Os sapos de Curitiba também não andam de bicicleta e gostam da ciclovia”. E foi em frente.

Ele foi embora rindo com andar jocoso que me lembrou Biff Tannen em “De Volta Para o Futuro 3”, na cena do duelo. Ele foi rindo muito, porque maconheiro ri a toa. No entanto, eu sou um humanista. E humanista vê dilema em tudo e procura resposta. Eu fiquei com aquele dilema na cabeça: “Os sapos de Curitiba também não andam de bicicleta e gostam da ciclovia”. Estes enigmas logo de manhã são estimulantes. Aquecem a cachola e botam os neurônios para sacolejar logo cedo. Quando entrei no Parque São Lourenço eu vi uma dona muito bonita passar por mim com seus cabelos ao vento e suas pernas torneadas, blusinha apertada, seios túrgidos. Mas eu estava com a cabeça no dilema do maconheiro.

E me lembrei de uma música de Jorge Mautner denominada Sapo Cururu. Uma música que relaciona justamente estes dois elementos: o sapo e a bicicleta. A letra da música diz: “Este sapo cururu, não anda de bicicleta. Mas ele anda dizendo, que a lua é careca. Ah, se a lua fosse careca, ela usava cabeleira. Ah, como é bonita, a bandeira brasileira”. Eu contornei o lago do Parque São Lourenço com a Bela. E recordei com saudade da última vez que vi e ouvi Jorge Mautner. Foi num show aqui em Curitiba há muitos anos no Parque Barigui. Tinha uns gatos pingados. Mas Mautner não se impressionava com isto e cantava e tocava com o mesmo entusiasmo lúdico e onírico. Ele cantou músicas cheias de imagens surrealistas. E foi agradável ouvi-lo. Depois não mais o vi. Ele morreu, como morrem os dias e as noites. E como morrem os sonhos e as esperanças.

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Depois de dar a volta ao redor do lago no parque, eu retornei para a ciclovia. Atravessei a Rua Professor Nilo Brandão e na ciclovia mais uma vez, a Bela se animou com um pedaço de pedra que saltitava. Claro que na hora eu pensei: “Pedras que rolam, eu conheço. Mas pedras que saltam eu não conheço”. Claro também que eu não ando enxergando bem. Por isso eu precisei me aproximar para perceber que a pedra em questão era um pequeno sapo ou perereca. Que saltitava em direção a um pequeno banhado no meio de um matagal. Foi então que decifrei o enigma do maconheiro: realmente, nos dias de chuva, mas não apenas, os sapos invadem a ciclovia perto do Parque São Lourenço, como também as ruas próximas. Muitos são atropelados por carros cujos motoristas os confundem com pedra. Sim, realmente, os sapos saltam pelas ciclovias embora não andem de bicicleta e tampouco façam caminhadas. Finalmente, eu entendi o dilema: os sapos de Curitiba não andam de bicicleta, mas também estão sempre na ciclovia.<,br />