Os ratos estão chegando e o vampiro não tem nada com isso

A leitora Jéssica Roberta Galvão flagrou ratos dando rolezinho na estação tubo da Praça Rui Barbosa. Ela disse que tem medo de ratos e pergunta: “Se um deles me morder, quem vai se responsabilizar?” Boa pergunta. Há casos em que o responsabilizado devia ser o vampiro. Porque, como ensina Bram Stoker, foi ele quem trouxe os ratos. No entanto, como o nosso vampiro está entre nós há décadas e não trouxe nenhum rato, podemos afirmar com larga margem de acerto que o Vampiro de Curitiba não tem nada a ver com os ratos da Praça Rui Barbosa. Claro que a suspeita inicial faz certo sentido, porque há antecedentes. De outros vampiros, naturalmente, não o de Curitiba.

Eu me refiro a Nosferatu. A sinfonia do horror, segundo Friedrich Wilhelm Murnau que filmou a versão do livro de Bram Stoker em 1921, filme lançado em 1922. Ou o fantasma da noite, segundo versão de Werner Herzog, de 1979, com Klaus Kinski no papel do vampiro. Assim como no Drácula de Francis Ford Copolla de 1992, em todos eles, porque os três são baseados no mesmo livro, de Bram Stoker, o vampiro é associado com o mecenas dos ratos. E os ratos são associados com a peste negra, com a epidemia, porque ratos são transmissores de doenças. E, neste caso, a pergunta da leitora Jéssica Roberta Galvão não é desprovida de sentido: “Se um deles me morder, quem vai se responsabilizar?”. A prefeitura respondeu que periodicamente aplica venenos para exterminar os ratos, mas eles aparecem sempre em busca de comida. O que não responde a pergunta de Jéssica, naturalmente.

Mas voltemos à relação de ratos com vampiro. E peguemos o primeiro filme. De Murnau. O Conde Orlok, sujeito careca e raquítico, incumbiu em 1838 um corretor de imóveis chamado Knock de lhe conseguir uma casa em Wisborg, imaginária cidade portuária da Alemanha. O corretor de imóveis vai visitar o seu cliente nos Montes Cárpatos e é mordido pelo sujeito. O conde viaja dentro de um caixão a bordo de um navio e coincidentemente os tripulantes são mortos por uma doença estranha. Antes de ele morrer, os marujos vasculham e abrem o caixão em que o conde está em seu sono sepulcral. Encontram ratos, horda de ratos escapa do caixão. Nenhum marujo escapa com vida do navio. Provavelmente algum destes ratos deve ser o ancestral do rato que perambula pela Praça Rui Barbosa. Ninguém sabe. Portanto, todo cuidado é pouco.

Quando o navio chega a Wisborg, os ratos tomam conta da cidade e a peste se alastra, produzindo incontáveis vítimas. Ninguém consegue descobrir antídoto para a praga. Os moradores acusam Knock de ser o responsável pela epidemia e querem o couro dele. O corretor de imóveis a esta altura do campeonato está num manicômio porque depois de ser mordido pelo conde, pegou o hábito de comer moscas vivas. Ele pode estar louco, mas percebe o perigo e cai fora antes de ser linchado. Bem, para encurtar a conversa, o conde se encanta por Ellen, a mulher de Knock, e de tão fascinado esquece que as horas passam e fica bebericando o sangue dela. Ela morre, mas exposto ao canto do galo e aos raios de sol o conde vira farelo. E como por encanto, a epidemia desaparece.

A refilmagem de Herzog em 1979 é fantástica. Klaus Kinski no papel de Nosferatu é assustador e causa piedade. Isabele Adjani no papel de Lucy (Ellen no filme original) continua linda. Mas horripilante é a cena em que Nosferatu chega à cidade, neste caso, chamada Wismar, e junto com ele chegam centenas, talvez milhares de ratos. Mais assustadora ainda é a cena do banquete em meio a centenas de ratos. Os ratos simbolizam a peste negra. O banquete com os ratos simboliza a loucura. A incapacidade de a cidade se livrar do mal, simbolizado pelo vampiro e da doença e da epidemia, simbolizadas pelos ratos, representam a decadência, a degradação. Portanto, é de bom alvitre a municipalidade se livrar dos ratos da Praça Rui Barbosa e de outros ratos – agora não estou falando dos políticos interesseiros, claro – porque com eles vêm os vampiros. E, desta vez, não é um escritor. São os sugadores de sangue. Ou será que eles já estão entre nós?