O ônibus enfrentava corriqueiros problemas de trânsito na hora do rush. A vantagem de pegar ônibus no ponto da Floriano Peixoto é encontrar bancos vazios. Eu sentei num banco e um velhinho sentou ao meu lado. Na Rua Presidente Faria com a lentidão de sempre, eu me distraia olhando o Passeio Público pela janela. O velhinho perguntou: “O senhor olha os pedalinhos, não?”. Como não pretendia dizer a ele que estava imerso em profundas meditações existenciais e filosóficas, eu disse que sim. “Muito bonitos. Quem inventou isso, hein?”, perguntei por perguntar. Antes não tivesse perguntado. O velho que vim saber se tratar do Sr. Aurimar Garrido, advogado, respondeu com a maior naturalidade: “Quem inventou não sei. Mas quem trouxe isto para o Brasil foi um carrasco nazista”.

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Eu virei a cabeça e perguntei seriamente: “Sério?”. Ele disse que era verdade. A história que me contou foi que um carrasco nazista veio para o Brasil fugindo das perseguições aos carrascos nazistas e se estabeleceu como comerciante no Rio de Janeiro. Ele ganhava bom dinheiro em negócios enquanto de acordo com algumas versões, escondia outros carrascos nazistas pelo interior do País. Aí um belo dia o bicho pegou: estourou a notícia de que o comerciante seria “O Enforcador de Riga”, responsável pela morte de aproximadamente 30 mil pessoas. “Foi esse homem que trouxe o pedalinho para o Brasil. Um carrasco nazista”, disse o Sr. Aurimar. Antes ele não tivesse dito. Eu estava tranquilo dentro do ônibus. Olhei pela janela o pedalinho no Passeio Público e fiquei pensando na história.

O Sr. Aurimar não deu mais detalhes. Eu queria chegar em casa para conferir se a história era verdadeira. Eu achava que o velhinho tirou onda ou me contou uma versão fantasiosa que ouviu. Mas quando cheguei em casa e fui para o computador, prendi a respiração, mergulhei na internet e sai com a informação. Soltei todo o ar dos pulmões e exclamei: “É verdade!”. Tinha muito de verdade, mas também muito mistério. Um aviador letão chamado Herberts Cukurs, considerado na juventude herói nacional da Força Aérea da Letônia, teria introduzido os pedalinhos na Lagoa Rodrigo de Freitas no Rio de Janeiro, de onde a ideia teria sido adotada pelo Passeio Público de Curitiba. Cukurs chegou ao Brasil com visto francês no dia 4 de março de 1946, a bordo do navio Cabo da Boa Esperança. O país estava numa gandaia danada porque era Carnaval.

Ele se estabeleceu na cidade e quando estourou a notícia de que ele era carrasco nazista, ele negou e até hoje seus descendentes negam. Eles pediram provas e as provas não foram fornecidas. Mas ele admitiu que ajudara os alemães contra os comunistas, porque era contra o domínio soviético em seu país. Problema com os russos ele teve, porque foi alegando isto que conseguiu visto na França. A partir da revelação de seu passado, a vida de Cukurs mudou. Ele também mudou para Niterói, Santos e finalmente São Paulo. Quando Adolf Eichmann foi preso por agentes israelenses em Buenos Aires no dia 11 de maio de 1960, Cukurs ficou arisco. No entanto, ele se arriscava em negócios, porque tinha que tocar o barco. Um dia ele conheceu um sujeito chamado Anton Kuenzle, que seria judeu com identidade falsa.

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Kuenzle conquistou a confiança de Cukurs e o atraiu para Montevidéu para fechar um bom negócio no Uruguai. Na realidade, tudo não passava de armadilha. Agentes do Mossad o esperavam no lugar combinado. Ele foi morto no dia 23 de fevereiro de 1965 com dois tiros na cabeça. Seu corpo foi colocado num baú e encontrado apenas no dia 6 de março, porque os jornalistas locais avisados da execução não acreditaram na informação. O corpo já estava em adiantado estado de putrefação quando a polícia o encontrou. Para tornar o caso ainda mais misterioso, há quem diga que Cukurs foi morto pelos próprios nazistas que o consideraram traidor porque teria negociado com os judeus a sua vida fornecendo a localização exata do médico de Auschwitz, Josef Mengele, que só veio a morrer em 7 de fevereiro de 1979 quando nadava em Bertioga.