Os ossos de Paulo Francis chacoalham na eternidade

O filósofo Renato Janine Ribeiro, professor titular de Ética e Filosofia na Universidade de São Paulo e de quem sou amigo na rede social, foi quem levantou a lebre em um comentário. No entanto, Carlos Heitor Cony já havia tocado no assunto. Os atuais escândalos envolvendo a Petrobrás, propinas e corrupção não são coisas novas. Isto qualquer jeca sabe. Vem de governos anteriores e foi maior nos governos militares quando inexistia transparência. No entanto, Janine recorda um episódio ocorrido durante o primeiro governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Episódio curioso do ponto de vista ético e trágico do ponto de vista humano porque resultou na morte do jornalista Paulo Francis, no dia 4 de fevereiro de 1997.

 Tudo bem. Paulo Francis era polêmico e tinha estilo denominado “metralhadora giratória”. Ele atirava para todos os lados, abordava todos os assuntos, de filosofia ocidental, ópera, macumba, cultura geral, Proust e política internacional e nacional, além de economia. Não raro, Francis, coisa que amigos seus reconheciam, não conferia direito a procedência das informações. E mandava bala. Não conferia se a bala de sua metralhadora era de chumbo, aço ou de festim. Ele fez gato e sapato de José Sarney. Numa destas, no governo FHC, ele atirou na direção da Petrobrás. Falando sobre o tema que agora alvoroça e excita a sociedade brasileira: corrupção na estatal brasileira.

 Francis disse no programa Manhattan Connection, sem citar nomes, que diretores da estatal desviavam dinheiro para a Suíça e sugeriu privatizar a empresa. Certamente ele devia estar correto em suas ilações, mas lhe careciam as chamadas provas documentais. Sem elas, o cara está ferrado. Sete diretores da empresa sabiam disso e entraram na Justiça contra Francis cobrando indenização milionária. Em dólares, que é melhor. Eles não entraram na Justiça brasileira, porque a estatal conhece a justiça brasileira e concluiu que a americana seria implacável e eficiente, embora nem sempre. E Francis se viu no meio de uma demanda judicial custosa. A justiça americana mandou Francis indenizar os sete diretores da Petrobras em US$ 100 milhões e ainda a pagar custas do processo.

Francis tremeu nas bases e ali onde ele tremeu qualquer um tremia. Ficar pobre de uma hora para outra, ainda mais na velhice, para quem se acostumou com requinte e o melhor do mundo, não é coisa que anime ninguém. O patrimônio amealhado em parte com esforço intelectual, comentários sarcásticos e sorriso cínico e em parte resultado de herança familiar iria para o ralo. Não sei se ele teria todo o dinheiro. Provavelmente, não. Mas o que tinha iria para os bolsos dos diretores da Petrobrás. Então, Francis ligou para o ex-ministro José Serra de quem era amigo, para ele interceder. Para evitar o que ele considerava uma tremenda injustiça. Afinal, ele e muita gente informada davam de barato que havia muita coisa estranha na estatal – e em outras estatais e em todo o governo, claro. Não era novidade.

Serra falou com FHC, que lavou as mãos. Francis ficou deprimido. Sua alma e seu espírito foram devorados pelo sentimento de injustiça e pelo temor de cair em algo que quem nunca esteve lá morre de medo: a pobreza. Numa manhã de terça-feira ele foi abatido por um enfarte fulminante em seu duplex na Rua 47 com Segunda Avenida, em Nova York. Francis morreu às 6h30. Estava com 66 anos. Um amigo, Ronald Levinsohn, revelou que Francis “se queixava de que o objetivo do processo era arruiná-lo financeiramente”. Jesus Cheda, médico do jornalista disse: “Se me pedirem para apontar uma única causa da morte dele eu diria que foi o stress provocado pelos problemas jurídicos que estava enfrentando”. Isto foi no governo FHC. O governo agora é outro. E quem está acuada é a Petrobrás. A esta altura de Francis só restam os ossos. Mas seus ossos devem estar chacoalhando no túmulo. A vingança certamente pode ser bem apreciada no além. Ele estava certo. Só não houve, à época, interesse em investigar. Mas esta é outra história.