Os mendigos não vão ver os jogos da Copa do Mundo

A cidade tem cinco mil moradores de rua, dos quais quatro mil têm famílias que podem cuidar deles. Embora a maioria seja de mendigos, existem muitos malucos, desvairados, que as famílias deixam perambular pelas ruas da cidade para espairecer um pouco. Mas toda esta gente vai ser recolhida pelo governo do Estado ou pela prefeitura durante o período em que a cidade sediar os jogos da Copa do Mundo. É para os turistas não verem – ou para não serem incomodados. Estas informações e outras, se verdadeiras ou não, não tenho a menor ideia, consegui ontem de manhã enquanto sentado no banco individual do ônibus que me trouxe para o centro da cidade, ouvi a conversa entre motorista que ia trabalhar e seu colega que dirigia o amarelão.

Os dois tinham um diagnóstico da situação da cidade às vésperas da Copa do Mundo que em parte pode ser classificado de correto e em parte não tenho como saber – mas eles sabem. Por exemplo: “Este negócio de investimento em infraestrutura é conversa fiada, porque estão mesmo arrumando a Arena da Baixada, onde serão os jogos”, disse um deles, que estava de pé na escada, segurando o corrimão de ferro. Ele tratou de completar: “Estive no aeroporto. Aquilo está um lixo e a rodoferroviária está uma zona. Quanto àquele viaduto que fizeram no meio do caminho, não sei para quê! Aquilo não precisava”. Na avaliação dos dois a competição vai ser boa para os hotéis, “que vão cobrar os olhos da cara”. Eu quieto prestando atenção, para saber como andam os preparativos para a Copa do Mundo.

Bem, quanto aos mendigos, ainda não se sabe para onde vão. “Mas não vão ficar por aí dando sopa”, disse ele. O que conduzia o ônibus disse: “O preço do ingresso está um absurdo. A piazada vai ter que ver os jogos num telão que vão colocar na frente da Baixada”. O outro não perdeu a deixa: “E não vai fazer diferença porque eles vão estar com a cara cheia de cachaça. Além disso, os telões de hoje em dia são coisa de categoria. Tudo de primeira, com alta definição. Vai ser melhor que ver o jogo no estádio”. O mais assustador deixaram para o final: “Vai ser a chance de a gente fazer uma greve, parar tudo e tirar proveito da situação. Só assim vão resolver nosso problema”.

O curioso é que fiquei sabendo de tudo isto logo de manhã, depois de passear com a cachorra e descer até a Rua Mateus Leme para pegar o ônibus para o centro da cidade. A questão dos mendigos me surpreendeu. Quando eu me encaminhava para o ponto, minutos antes, um sujeito andrajoso, que não sei dizer se é mendigo ou maluco, mas que já vi algumas vezes – quase sempre no mesmo horário – nas imediações do Colégio Santa Maria, passou furibundo, olhando para todos os lados. Era um sujeito jovem, destes que se uma revista der um banho de loja e botar numa passarela tem assunto para mais de mês. O cara estava com as calças quase arriadas e conseguia andar com elas sem que elas caíssem e sem que tropeçasse. A coisa não era escandalosa porque ele usava calção cinza por baixo e para efeitos práticos, não estava nu: estava apenas desengonçadamente vestido.

Ele olhou para todos os lados e como não vinha ninguém ao seu encontro nos dois sentidos, o que não queria dizer que a rua estivesse deserta, ele se encaminhou para a parede do Mercadorama, tirou o aparelho genital e tranquilamente praticou um ato de micção na parede que ficou com uma enorme mancha de urina, além, claro, de poça que se formou na calçada. Naquele momento eu pensei: “Todas as cidades tem mendigos. Nova York, por exemplo, têm centenas, talvez milhares. Mas eles não são um belo cartão de visitas para quem vier para a Copa do Mundo”. Eu fiquei pensando que tratamento a cidade daria a eles. Uma roupa nova? Não precisei esquentar a cabeça. O assunto foi debulhado em minúcias pelos dois motoristas. Agora eu sei que os mendigos não vão ver os jogos da Copa do Mundo no estádio. Talvez nem no telão. Eu não sei se isto tem importância. Eu também não vou ver o jogo no estádio e depois da copa, tudo vai voltar ao normal.