Quem escolheu o Gran Ritz Hotel próximo ao Palácio Salvo na Calle Andes, parte velha de Montevidéu, foi J. Bressan. Ele usou dois critérios: preço e teoria pessoal. “Se consigo dormir no meio do mato dentro de numa barraca, dormir numa espelunca como essa é fichinha”, disse. Na frente do hotel, no número 1313, havia um night club. Era o Princesa, na verdade um bordel de segunda categoria. Quando paramos diante da porta de vidro do hotel, um sujeito em seu interior avançou e tirou o pedaço de pau que travava a porta. Pessoalmente eu torci para Bressan se decepcionar com qualquer coisa e a gente cair fora e procurar um lugar decente para se hospedar.

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O nome do sujeito que nos atendeu era Igor. Ele não sabia se o hotel aceitava hospedes e isto fazia sentido porque parecia não ter nenhum. Ele disse: “Eu vou chamar El Dueño. Bressan ficou cabreiro: “Quem é esse tal de El Dueño? Não gostei do nome dele”. Eu poderia ter mentido e dito que era um monstro corcunda, com um olho grande e outro menor e que soltava uivos assustadores à noite. Mas não queria começar a jornada em Montevidéu com uma mentira e respondi: “Eu acho que é o dono”. Bressan não se convenceu: “Como você sabe que El Dueño é o dono?”. Eu disse que dueño devia ser dono em espanhol. Bressan tinha dúvidas, mas elas desapareceram quando El Dueño chegou.

El Dueño era magro, alto, cabelo branco e parecia o ex-presidente argentino Néstor Carlos Kirchner, com pequena diferença: não era zarolho. Desejei que o sujeito fosse zarolho. Tinha certeza que Bressan ia ficar desconfiado porque na viagem ele disse que em sua infância achava que zarolhos são dissimulados por olharem para dois lugares ao mesmo tempo. O certo era que o Sr. Carlos Korchner não era zarolho, era simpático e bom de negócio. Ele nos ofereceu um quarto no quinto andar com duas camas, onde poderíamos desfrutar de silêncio pela distância da rua e a diária custava a bagatela de 80 dólares, que ele deixava por 70 dólares porque nos achou simpáticos.

Eu achei a generosidade suspeita, mas desconto é sempre bem vindo. Ele ainda se propôs a mostrar o quarto pessoalmente, sem compromisso. O elevador parecia a Sofia Loren – foi belo, mas o tempo fez estragos. No caso da Sofia Loren, não tem jeito, porque o tempo é inexorável – quando contei para Bressan a minha opinião sobre o tempo, ele me corrigiu: “Eu acho que você falou errado. O tempo é inoxidável”. Eu fiquei quieto. De qualquer forma, chegamos ao quinto andar. Mais escuro que noite sem lua. Corredor cheirando mofo. No entanto, algumas luzes se acenderam alertadas por sensores preguiçosos.

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Quando o Sr. Carlos Korchner abriu a porta do quarto, eu perguntei: “Tem água quente?”. Alguns amigos me disseram que a cidade era fria e em alguns hotéis a água não era tão quente quanto gostariam. El Dueño, que era o Sr. Carlos, respondeu: “Claro. A água daqui é fervente”. Bressan reforçou: “Claro!”. E disse que ia contar aquilo para todo mundo no Brasil quando retornássemos porque a minha pergunta era cretina. “Onde se viu um hotel desta categoria sem água quente?”, perguntou, depois de jogar no chão a mochila de acampamento e eu percebi que ele decidiu ficar ali mesmo. Bem, a primeira coisa que fiz depois que El Dueño saiu foi tomar banho. A água era fervente, como El Dueño alertou. Do tipo usado para matar caranguejos antes da degustação. Mas eu sobrevivi.

À noite ouvi ruídos misteriosos de passos nos corredores e estampidos que pareciam tiros de canhão. Meu sono venceu e eu apaguei. Quando acordei de manhã, fiquei surpreso. As paredes dos corredores do quinto andar eram cheias de velhos quadros a óleo. Descemos pela escada e percebemos que outros corredores também tinham quadros velhos. No hall do térreo havia mais de 30 mesas com cadeiras – e mais quadros nas paredes. Apenas uma mesa com xícaras, croissants e pães. Era a nossa. Enquanto eu comia um croissant, Bressan me disse triste que os tiros de canhão que ouvi de noite eram do elevador. “Eu pensei que fosse a guerra”, lamentou.

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