O último beijo do porteiro da noite

A loira do 7o andar saiu do elevador com um vestido negro apertado, corpo esbelto, sapato negro de salto alto, disse até amanhã para o porteiro Cassemiro, que também se preparava para ir embora e depois que ela saiu ele perguntou para o porteiro da noite, o Waldomiro: “Não é triste estar com 75 anos e nunca ter beijado uma dona destas na vida, Miro?”. Velho Miro não se fez de rogado e disse que beijou uma dona melhor que aquela. E, depois daquele beijo, nunca mais beijou ninguém. Cassemiro achou que fosse lorota, mas Waldomiro não era de mentir, era mais sério que sábio chinês. “E quando foi isso?”. Waldomiro entendeu a curiosidade de Cassemiro. Ele queria saber se foi alguma dona do prédio. Se fosse ele não ia contar – aliás, nem teria falado sobre o beijo.

Como não era não tinha problema contar. “Foi no meu emprego anterior, naquele edifício comercial. Lembro até hoje, porque foi no dia em que fiz aniversário, há quinze anos”, disse. Um dia de julho de 1999. “Dia é maneira de dizer, porque foi de noite. Onze e meia”, completou. Cassemiro olhou o relógio, estava na hora de ir embora, mas se fosse naquele momento ia pegar fila no ponto de ônibus. Então ficou para ouvir a história do velho, enquanto isso a fila ia encurtar. Miro disse que andava meio jururu porque ficou viúvo no começo do ano. “Eu só pensava na velha, quando o telefone tocou e eu atendi”, disse ele. “Era uma mulher de um prédio vizinho dizendo que tinha uma moça no parapeito do 9o andar”, contou.

Miro pensou que fosse trote. De qualquer forma, ele foi no 11º e lá de cima ele conferiu que tinha uma moça no lado de fora, no parapeito do 9o andar. “Menino, aquilo me deu uma impressão ruim. Eu vi a hora da moça cair lá embaixo e não tinha tempo de descer e chamar alguém. Eu tinha que resolver a situação. E o duro era que eu tinha e ainda tenho medo de altura”, contou ele. Ele não gritou para não assustar a moça e não soube como ela moça foi parar no lado de fora de uma daquelas salas. Ele desconfiou depois que talvez ela tivesse ficado presa no escritório, não tinha chaves e tentou sair pela janela e a janela fechou e ela ficou no lado de fora. Ele não entendeu porque ela não pegou um telefone para pedir ajuda.

Ele só sabia que a moça estava do lado de fora, assustada e daquele jeito era questão de tempo ela despencar. “E o que você fez?”, perguntou Cassemiro. Miro contou que fez o que achou mais prático: desceu dois andares, arrebentou a porta da sala, abriu a janela e puxou a moça para dentro e fechou a janela de novo. Na manhã seguinte, ele explicaria tudo. “A moça pulou para dentro da sala e me abraçou. Ela parecia assustada e aquele corpo assustado e quente junto ao meu me deu um arrepio gostoso. Eu não resisti e dei um beijo no pescoço da moça. Ela gostou e me deu um beijo na boca”, disse o velho porteiro da noite. Cassemiro se animou: “E daí?”. Miro olhou o amigo com expressão de deboche: “Ficou interessado, não é parceiro? Mas ficou nisso. Ficou só nisso. Ela desceu e foi embora!”.

Cassemiro olhou desconfiado para o velho: “Miro, seu velho safado! Ficou só nisso mesmo?”. O velho ficou em silêncio. Cassemiro quis saber o que aconteceu no dia seguinte. Waldomiro respirou fundo e disse: “No dia seguinte eu fui mandado embora, porque o pessoal do escritório não acreditou na minha história e alegou que eu arrombei a porta para roubar alguma coisa. Eles disseram que nunca viram na vida a moça que eu descrevi”. Cassemiro ficou impressionado: “Você nunca me contou isso!”. Miro disse que se tivesse contado não teria sido contratado no novo emprego. Por esta razão desde aquele dia ele nunca mais beijou nenhuma dona que estivesse em apuros. Não foi uma tarefa muito difícil, porque também não encontrou mais nenhuma dona em apuros no emprego. “E se a loira estivesse no parapeito do 7o andar?”, perguntou Cassemiro. O velho porteiro respondeu: “Com aquele salto alto ela teria despencado antes de eu chegar lá em cima”. Cassemiro riu. Era verdade. E também era verdade que estava na hora de ele cair fora.