O primeiro time da capital que admirei foi o Clube Atlético Ferroviário. No começo de 1964, eu acabara de fazer doze anos e o Boca Negra, o Grêmio Maringá e o Cambará disputaram um triangular para definir o campeão estadual. Recordo que se falava com temor e respeito do Ferroviário. Uniforme vermelho e preto, escudo bonito e grandes jogadores: Luiz Fernando, Paulista, Fernando Knaip, Bidio, Sicupira, Caçula e outros. Tudo ficou registrado na memória. Sicupira era jovem habilidoso e promissor e veio a cumprir as profecias de craque que fizeram sobre ele. Era um esquadrão respeitável e temido. O Ferroviário perdeu o título por pouco, mas dois anos depois foi campeão em cima do mesmo Grêmio Maringá. E no ano seguinte, em 1966, conquistou o oitavo e último título de sua história.

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O começo dos anos 60 foi marcado pela transferência da hegemonia do futebol paranaense para o Norte do Paraná, abastecido com o dinheiro do café. Surgiam times de qualidade com jogadores recrutados em São Paulo e Rio Grande do Sul. Comercial de Cornélio Procópio, Londrina e Grêmio Maringá mantiveram breve hegemonia, quebrada pelo Ferroviário em 1965. Aqueles também foram os anos de apatia de Coritiba e Atlético Paranaense, razão pela qual aprendi a admirar e temer o Ferroviário. Ninguém diria que o Ferroviário sairia dos trilhos para não mais voltar. Mas foi o que aconteceu. Os anos de profissionalismo que substituíram o quase semiamadorismo dos anos anteriores fizeram emergir com vigor a dupla Atletiba para o cenário principal do futebol paranaense e depois nacional. E de lá nunca saíram.

Se para mim que não era torcedor do Ferroviário foi chocante ver o seu fim na histórica fusão com Britânia e Palestra Itália, imagino a angustia de seus fanáticos torcedores à época. Por mais bonitos que fossem o símbolo e a camisa do Colorado Esporte Clube, por mais que o estádio fosse o mesmo, a verdade era que o Clube Atlético Ferroviário deixou de existir. Ele desapareceu com sua tradição, títulos, como desapareciam as estradas de ferro do cenário nacional. Olhando retrospectivamente, o sacrifício do Ferroviário foi em vão. O argumento de que era preciso botar as mãos nos patrimônios de Britânia e Palestra para montar um time forte não se sustentou com o tempo. Primeiro porque o Colorado não ganhou nada – ou, melhor, quase nada. Segundo porque padeceu da mesma doença que levou o Ferroviário para a UTI: gestões incapazes de produzir eficiências administrativa e esportiva.

Três clubes que um dia foram grandes desapareceram para o Colorado existir. Ferroviário, Britânia e Palestra, isolados, conquistaram no mínimo seis vezes mais títulos que o Colorado, detentor de meio título estadual contra três do Palestra, seis do Britânia e oito do Ferroviário. A gambiarra burocrática que sepultou três tradições não criou nenhuma tradição. O Colorado se arrastou e não foi o gigante que dele se esperava. Mas os alquimistas da Vila Capanema, engenhosos quando vislumbram potencial financeiro em patrimônio alheio, sepultaram o Colorado e trataram de arrastar outro clube para nova aventura. O saudável Pinheiros, dono de vasto patrimônio e quadro associativo vigoroso, sucumbiu à sedução e também desapareceu. E assim nasceu o Paraná Clube sobre os escombros de Colorado e Pinheiros.

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O tricolor herdou saúde financeira e patrimonial e também as cores dos dois finados clubes. E começou sua história semelhante ao primeiro ocupante da Vila Capanema: a todo vapor. Neste ponto, nada teve em comum com o Colorado. Ganhou títulos e foi hegemônico nos anos 90, mas dobrou os anos 2000 insinuando crise que a cada ano se aprofundou. Enquanto isso, patrimônios acumulados eram vendidos e glórias passadas não eram resgatadas. E hoje o que se vê é um clube com a mesma doença crônica que vitimou o Ferroviário e depois o Colorado: a falta de assimilação com o profissionalismo e apego a fórmulas de sobrevivência esdruxulas e oportunistas. O Paraná Clube está com febre alta e na UTI. E não tem mais fusão à vista.